Além de Anora: Cinco filmes que abordam trabalho sexual

Texto de Wilmerson da Silva, crítico de cinema e músico
“Tentei montar uma lista diversa passando por épocas e países diferentes, incluindo filmes que abordam questões de raça, classe e gênero” / Foto: Universal

Anora, dirigido por Sean Baker e que chegou aos cinemas brasileiros em janeiro passado, vem se confirmando como o grande favorito para ganhar o Oscar de melhor filme na próxima edição da premiação mais celebrada do cinema.

Além de ter vencido a Palma de Ouro em Cannes, o longa conquistou os prêmios de melhor direção na premiação do DGA (Sindicato dos Diretores da América) e de melhor filme na premiação do PGA (Sindicato dos Produtores da América), que são fortes termômetros para o Oscar.

Mikey Madison também foi premiada como melhor atriz no BAFTA, o que é mais um indicativo da força do trabalho e, de quebra, ainda deixa a corrida para a categoria no Oscar ainda mais imprevisível.

O filme conta a história de Anora, uma jovem trabalhadora sexual que vive um sonho de Cinderela quando conhece o jovem Ivan, herdeiro de uma rica família russa. Os dois dão início a um fervoroso relacionamento, mas tudo se complica quando a família do jovem toma conhecimento do envolvimento do herdeiro com a moça.

A lista

O cinema há muito tempo explora o trabalho sexual de diferentes maneiras e sob diversas perspectivas, seja em filmes que denunciam as condições de trabalho ou a marginalização dessas pessoas, ou em obras que as humanizam e desafiam estereótipos perpetuados por décadas em algumas sociedades.

Sendo assim, se você gostou de Anora ou se interessa pelo tema, eu gostaria de indicar cinco grandes trabalhos que abordam o trabalho sexual. Tentei montar uma lista diversa passando por épocas e países diferentes, incluindo aqueles que abordam questões de raça, classe e gênero.

Foto: Divulgação

1 – O Funeral das Rosas (1969), de Toshio Matsumoto

Nesse filme japonês de título poético acompanhamos a cena gay e trans da Tóquio dos anos 1960, quando temas como identidade de gênero, sexualidade, rebeldia e exclusão social são explorados de maneira ousada. 

A trama segue Eddie, uma mulher trans que se torna a mais recente estrela de um bordel de mulheres trans. O bordel é comandado por Leda, que mantém um relacionamento com Gonda, o dono do estabelecimento, e que, em segredo, tem um caso com Eddie.

O filme hoje é um dos aclamados da Nova Onda do Cinema Japonês, movimento cinematográfico que começou no final dos anos 1950 e durou até os anos 1970. Também chamado de Nuberu Bagu, é mais um dos movimentos cinematográficos que tomaram forma a partir da Nouvelle Vague francesa.

O Funeral das Rosas é um filme inovador e ousado, tanto em seus temas, quanto em sua forma. O filme tem uma abordagem experimental, que mistura ficção e documentário, com trechos de entrevistas com membros da equipe do filme onde compartilham sobre suas sexualidades e vivências, intercalados por cenas de ficção em torno de Eddie.

O filme pode ser encontrado no streaming Filmicca.

Foto: Divulgação

2 – As Profissionais do Sonho (1986), de Lizzie Borden

Mais uma obra cujo título, no caso o brasileiro, eu amo (o título original é Working Girls). As Profissionais do Sonho é um drama independente estadunidense e é apenas o segundo longa dirigido pela diretora Lizzie Borden, que já havia conquistado bastante atenção com seu filme anterior, o também independente docuficção distópico Born in Flames, de 1983.

Aqui acompanhamos um dia na vida de Molly em seu local de trabalho, um bordel em Manhattan, Nova Iorque, onde ela trabalha com outras quatro mulheres, incluindo sua chefe, Lucy. Molly é uma mulher lésbica formada em Yale que recorreu ao trabalho sexual por falta de melhores opções. Começamos a acompanhar Molly quando ela acordar de manhã cedo na casa de sua namorada. Vemos sua rotina matinal, da hora que ela se levanta até o momento que ela chega ao trabalho e começa a atender seus clientes. 

Assistimos, então, os mais variados tipos de clientes concretizando com Molly suas fantasias. Todas essas cenas de atendimento são filmadas, propositalmente, da maneira mais casual possível. É algo procedural e sem nenhuma sensualidade envolvida. Aqui não há nada para Molly além de trabalho.

Entre um atendimento e outro, Molly interage com suas colegas de trabalho onde elas compartilham sobre suas vidas pessoais, medos, problemas e sonhos. Nesses momentos, o filme aproveita para levantar questionamentos sobre a exploração que essas mulheres sofrem em seus locais de trabalho, assim, como as pressões, assédios e violências a que elas são submetidas.

As Profissionais do Sonhos é um filme que se debruça sobre o universo do trabalho sexual de maneira muito humana, respeitosa e afetuosa e que desmitifica vários de seus preconceitos e estigmas, trazendo uma importante visão da luta de classes para o debate. Dá para notar a diferença que uma mulher faz na direção de um filme assim.

O filme está disponível no streaming Mubi.

Foto: Divulgação

3 – Kokomo City: A Noite Trans de Nova York (2023), de D. Smith

Outro filme que aborda o trabalho sexual de mulheres trans, mas nesse caso, de forma documental e focado na vida de quatro mulheres negras: Daniella Carter, Dominique Silver, Koko Da Doll e Liyah Mitchell.

A diretora D. Smith, que também é uma mulher trans, era uma bem sucedida produtora musical e decidiu dirigir o filme, seu primeiro trabalho no cinema, após se ver expulsa da indústria musical por ter feito sua transição de gênero.

Kokomo City é um que filme trata de temas como identidade de gênero, sexualidade, racismo, marginalização, violência e, sobretudo, a interseccionalidade presente entre ser trans e negra. Ele também explora as relações dessas mulheres com seus clientes, suas famílias e a sociedade em geral. É um espaço onde essas mulheres se sentem seguras para serem elas mesmo, com muita espontaneidade e orgulho de quem elas são.

Recomendo uma sessão tripla com Paris is Burning (1990) e Línguas Desatadas (1989).

O filme também está disponível no streaming Mubi.

Foto: Divulgação

4 – Noites de Cabíria (1957), de Federico Fellini

Um dos grandes clássicos do cinema italiano, Noites de Cabíria é protagonizado por Giulietta Masina, que era esposa do diretor Federico Fellini, à época, e que no papel de Cabíria tem uma das mais belas interpretações do cinema italiano e, talvez, do cinema mundial.

Cabíria é uma prostituta ingênua, otimista e sonhadora que vive nos subúrbios de Roma. Apesar de diversas desilusões e dissabores, Cabíria se mantém idealista e romântica. Ela sonha com a possibilidade de uma vida melhor e de um dia encontrar seu verdadeiro amor.

O filme foi o vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1958 e pode ser assistido no streaming Mubi.

Foto: Divulgação

5 – A Rua da Vergonha (1956), de Kenji Mizoguchi

Kenji Mizoguchi é reconhecido no ocidente como um dos três grandes mestres do cinema japonês, ao lado de Yasujiro Ozu e Akira Kurosawa. O trabalho sexual é um tema central em sua obra, presente desde os primeiros até os últimos filmes do diretor, abordado em diferentes períodos da história do Japão.

Isso se deve, em parte, ao fato de que a própria trajetória de vida de Mizoguchi foi marcada pelo trabalho sexual. Quando ainda jovem, sua família precisou dar sua irmã mais velha para adoção, o que, na prática, significava entregá-la para trabalhar como gueixa. Anos depois, após a morte de sua mãe, essa irmã levou Mizoguchi para morar com ela e cuidar dele, permitindo que ele seguisse seus estudos e se tornasse diretor de cinema. A história de mulheres que se sacrificam para salvar seus familiares é recorrente em toda a filmografia do diretor.

Em A Rua da Vergonha, Mizoguchi conta a história de quatro mulheres que trabalham em um bordel chamado Dreamland, localizado em Yoshiwara, um dos três famosos distritos vermelhos de Tóquio. O filme se passa durante um momento político antiprostituição com um projeto de lei criminalizando a prática tramitando no governo local. 

O filme explora a falta de opções para essas mulheres. Todas as outras profissões disponíveis para elas oferecem baixas remunerações, que as impossibilitariam de ajudar seus familiares, como filhos e maridos doentes, ou até mesmo de viver uma vida minimamente digna. A possibilidade da aprovação da lei assombra o dia a dia delas. O filme também alfineta a hipocrisia da sociedade japonesa.

Foi difícil escolher apenas um filme do Mizoguchi, mas acredito que em A Rua da Vergonha, que, inclusive, foi seu último filme, o diretor consegue fazer um grande apanhado de tudo aquilo que ele abordou em seus outros filmes, ao mesmo tempo que traz um amadurecimento na abordagem do assunto e com o habitual peso dramático presente em seus outros filmes.

Deixo também a recomendação de Elegia de Osaka e As Irmãs de Gion, dois filmes da fase inicial do diretor, lançados em 1936, e que já retratam muito bem a vida das gueixas japonesas.

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