
É difícil imaginar a existência de Anora sem considerar a tríade composta pela direção de Sean Baker, a interpretação de Mikey Madison e a crítica ao capitalismo norte-americano pós-governo Trump. O filme é tecnicamente impecável – bem realizado, extremamente bem montado e divinamente escrito – e carrega, de maneira inconfundível, a marca dos três elementos mencionados.
Consequentemente, Sean Baker, ao dirigir sua obra mais acessível até hoje, mantém a mesma assinatura dos trabalhos anteriores, criando histórias aparentemente simples, mas que visam expor questões complexas. Mikey Madison, por sua vez, apesar de entregar sua melhor atuação até o momento, permanece fiel à fórmula que a consagrou em Era Uma Vez em… Hollywood e Pânico 5. Por último, as críticas sociais, embora incisivas, se assemelham a outras produções recentes, ficando aquém de comentários realizados pelo próprio diretor.
Em Anora, Mikey Madison interpreta Ani, uma stripper que se apaixona por um filho de magnata russo. Após se casarem, a relação começa a desmoronar rapidamente. Capangas são enviados para anular a união, o jovem desaparece e a crítica ao capitalismo surge com certo tom de desconforto e uma boa dose de personalidade.

Os capangas, por exemplo, repetidamente, expressam o receio de perder o emprego caso não encontrem o jovem, que, por sua vez, não passa de um peão dentro de um sistema controlado pelos pais, os verdadeiros detentores do poder.
Consequentemente, a busca pelo garoto os leva para a periferia, onde se envolvem em situações que só aumentam a desigualdade e a identificação com as dificuldades da classe média baixa. A garota que emprestou dinheiro ao jovem rico e ainda não foi paga, o motorista do guincho que trabalha há duas semanas na empresa, o proprietário da loja de conveniência que emprega seus filhos… Todos são subordinados a alguém. Mesmo que sejam irresponsáveis ou simplórios, eles pertencem a uma classe marginalizada, e isto faz com que o espectador torça para que as coisas deem certo.
Ani, que mora ao lado de uma estação de metrô, provavelmente em busca de aluguel mais barato, não tem apoio familiar e faz de tudo para encontrar um “príncipe encantado” que lhe traga a tão almejada salvação. A analogia com as princesas da Disney é pertinente, especialmente quando a protagonista menciona que sua irmã roubaria seu “príncipe”.
Nesse contexto, Sean Baker mantém sua abordagem habitual. Ele examina personagens que buscam uma vida melhor, mas fazem de maneiras impensadas e, por vezes, destrutivas. Anora guarda semelhanças com Red Rocket, seu filme anterior, mas sem o frescor do ineditismo. O enredo segue um padrão: tudo parece dar certo, apenas para desmoronar de repente. O problema aqui é que essa repetição cria uma sensação de déjà vu, o que enfraquece a experiência.
Mikey Madison, ao contrário do que se espera, se apega a uma atuação hiperbólica, recheada de histeria. Ela grita, xinga, briga – tudo no mesmo tom, até o clímax, onde sua performance encontra algum alívio (mas chegaremos lá). Apesar de sua competência e carisma inegáveis, ela mantém a mesma intensidade durante a maior parte do longa, o que obscurece a complexidade de sua personagem. Fica difícil entender suas emoções mais profundas, já que tudo o que ela sente é expresso diretamente, sem camadas.
No entanto, a sua atuação na conclusão contradiz o resto do filme. Em uma cena breve, mas reveladora, Anora expressa, com poucas palavras, a profundidade que o roteiro deveria ter transmitido ao longo de sua projeção. Ani agradece com sexo e se entristece ao perceber que encontrou alguém que apenas quer protegê-la. E eu pessoalmente acho muito poderoso a sacada de colocar a personagem quebrando a quarta parede e olhando para o público no momento em que quer retribuir com o seu corpo, sua fonte de trabalho.
Naquele momento, ela se rende ao choro, revelando a vulnerabilidade oculta ao longo de toda a trama. É a catarse da obra. Ela finalmente encontra o “sapatinho de cristal”, mas sem o príncipe que tanto sonhava. Este é o grande truque – um filme cruel, muitas vezes cômico, com ótimas atuações e direção primorosa, mas é na ausência de palavras que reside o coração da história. Que final!