Se7en: 30 anos de um jovem clássico do cinema policial

Texto de Wilmerson da Silva, crítico de cinema e músico
Morgan Freeman e Brad Pitt estrelam o thriller dirigido por David Fincher / Foto: IMDB

Na última segunda-feira, eu tive a chance de reassistir Se7en – Os Sete Crimes Capitais, agora nos cinemas, em IMAX, mais precisamente. Eu já havia visto o filme duas vezes, mas em casa. Quando o filme estreou em 1995, eu tinha apenas 2 anos. Então, para mim, foi incrível poder sentar numa sala escura e silenciosa (por sorte, o público estava bem comportado na minha sessão) de frente para a maior tela de cinema da cidade e mergulhar no universo de Se7en como eu nunca havia feito antes.

A Warner Bros. Pictures relançou o filme nos cinemas do mundo todo em celebração ao aniversário de 30 anos da obra, aproveitando para apresentar ao público a nova restauração em 4K e exibir o longa pela primeira vez nas salas IMAX. Novas edições em mídia física – contendo a nova restauração – também foram lançadas, recentemente. A estreia no Brasil foi no dia 30 de janeiro, e o filme segue em cartaz em várias cidades do país.

A obra foi apenas o segundo longa dirigido por David Fincher que, na época, era mais conhecido por dirigir clipes musicais, como Vogue, da Madonna, por exemplo. Sua primeira experiência dirigindo um longa foi Alien 3 e não foi uma experiência positiva, devido a uma grande interferência do estúdio (20th Century Fox) no trabalho dele e à falta de liberdade criativa que ele teve.

O roteiro de Se7en, escrito por Andrew Kevin Walker, foi dado a Fincher por seu agente, que acidentalmente lhe entregou a versão original do roteiro, a qual o estúdio New Line Cinema, dono da produção à época, havia reprovado. Os executivos do estúdio achavam que o final do filme era muito violento, pessimista e sombrio. O estúdio pediu a Walker que fizesse um novo final. Assim, mesmo a contra sua vontade, Walker fez uma nova versão do roteiro, apenas para satisfazer a vontade do estúdio, com medo de não ter seu roteiro produzido. Mas, quando Fincher leu o roteiro original, ele se interessou e quis dirigir o filme apenas se o final original fosse mantido. Brad Pitt foi outro envolvido no projeto que insistiu que o final original fosse mantido. Para a felicidade do roteirista, o estúdio acabou aceitando.

O filme foi um estrondoso sucesso de bilheteria, a sétima maior de 1995, para a surpresa do estúdio, que previa uma recepção negativa do produto final. O sucesso impulsionou a carreira de Fincher, que hoje é um dos mais respeitados diretores de Hollywood em atividade, e ajudou Brad Pitt a fugir de um potencial estereótipo de galã de filmes românticos e começar a atuar em papeis com maior cargas dramáticas.

What was in the box?

Se7en conta a história de dois detetives de uma grande cidade que precisam encontrar e prender um serial killer que comete seus assassinatos se baseando nos sete pecados capitais. Morgan Freeman interpreta William Somerset, um experiente detetive que está a uma semana de se aposentar, quando David Mills, interpretado por Brad Pitt, que acabou de se mudar com sua esposa Tracy (Gwyneth Paltrow) de uma cidade do interior, é designado para ser seu parceiro no caso.

Acompanhamos Se7en através do ponto de vista de Somerset, que está perdendo sua fé na humanidade. Após tantos anos trabalhando como detetive e acompanhando de perto tantas atrocidades cometidas por humanos contra humanos, ele adota uma visão pessimista sobre o mundo e a humanidade. Para ele, existe maldade no homem. Seu desejo é se aposentar e se afastar de toda a violência. Quando Tracy lhe confidencia que está grávida, Somerset conta que, certa vez, desistiu de ser pai por não entender como alguém poderia trazer uma criança a esse mundo. “Como alguém poderia crescer com tudo isso ao redor?”, ele se questiona. Mas confessa que se arrepende de não ter feito uma escolha diferente.

Mills, por outro lado, é um jovem detetive idealista com muita vontade de mostrar serviço, que não compartilha do ponto de vista de Somerset. Ele acredita que pode fazer alguma diferença no mundo com seu trabalho, preferindo acreditar que o serial killer que estão caçando é apenas um maluco. Diferente de Somerset, ele é impaciente e muito temperamental. Fica subentendido que Mills buscou ser transferido de sua cidade natal para uma cidade grande para tentar crescer na carreira de detetive e fazer alguma diferença na sociedade. Somerset tenta, algumas vezes, aconselhar Mills a olhar o mundo com outros olhos, mas fracassa em suas tentativas. Durante todo o filme, Mills se mantém irredutível e não muda a maneira idealista de pensar o mundo.

O mundo em questão é um mundo em decadência, um mundo sujo e corrompido. Um mundo apático e indiferente a toda violência. Somerset conta que, se uma mulher for atacada, ela não deve gritar por socorro, e sim gritar “fogo!”. Só assim, ela conseguirá chamar a atenção de alguém. A cidade (que, aliás, não tem o nome revelado, propositalmente) é escura e sempre coberta por fortes chuvas o tempo todo. Quase todas as casas que vemos no filme são insalubres, caindo aos pedaços, com paredes escuras, pouca iluminação, muita sujeira e desorganização. Da mesma forma, também assim são as ruas ou becos. Há um estado de putrefação da cidade na atmosfera do filme.

Quando o serial killer, John Doe (Kevin Spacey), se entrega a Somerset e Mills, temos a chance de entender suas motivações e conhecê-lo um pouco. Ele revela que está cometendo todos os crimes na tentativa de passar uma mensagem ao mundo. Para ele, a humanidade se perdeu e ele quer que a mesma perceba que está afundando. Quanto mais bárbaros seus crimes, mais as pessoas prestarão atenção no que ele tem a dizer. Assim, ele justifica toda a brutalidade cometida contra suas vítimas, que, segundo ele, foram condenadas por serem pecadoras. Ele acredita ser um enviado para realizar essa missão.

John Doe tem uma visão sobre a humanidade semelhante à de Somerset. Na verdade, os dois compartilham muitas características. Ambos são pacientes, meticulosos e muito instruídos, enquanto Mills é o completo oposto de ambos. A principal diferença entre Somerset e Doe é que o primeiro acredita que, apesar de toda a maldade, ainda vale a pena continuar lutando, enquanto o segundo se convenceu de que precisa cometer as maiores atrocidades possíveis para tentar salvar o mundo.

Quando Mills é confrontado com a caixa contendo a cabeça de sua esposa, sua visão de mundo é destroçada em sua frente. Ele se entrega aos planos de Doe, ajudando-o a validar sua visão de mundo e cumprir sua missão. No final, após divergir tanto de Somerset, ele se torna uma vítima de um mundo o qual ele se negava a enxergar.

Partindo dos gêneros policial e suspense e aproveitando a onda de interesse por filmes nesse estilo desde o grande sucesso de Silêncio dos Inocentes, poucos anos antes, David Fincher cria um universo em declínio. Um universo onde um serial killer nos intriga, cometendo as maiores perversidades possíveis e acompanhamos tudo morbidamente, na tentativa de juntar as peças desse quebra-cabeça que nos é oferecido, para no final sermos surpreendidos e para sempre aterrorizados, juntamente com seus protagonistas, com o que se tornou um dos mais populares plot-twists do cinema, até hoje.

Mills se torna uma vítima de um mundo o qual Somerset tentou fazê-lo enxergar e Somerset é testemunha de mais uma grande tragédia nesse mundo. As últimas palavras de Somerset são: “Ernest Hemingway escreveu certa vez: ‘O mundo é um lugar bom… e vale a pena lutar por ele’. Eu concordo com a segunda parte.”.

Apesar de tudo, Somerset ainda quer persistir por esse mundo.

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