Warfare simula a rasa experiência do soldado americano

O filme é dirigido e roteirizado por Ray Mendoza e Alex Garland
Um dos roteiristas do filme é Alex Garland, diretor e autor de Guerra Civil, lançado no ano passado / Foto: Divulgação

Warfare (2025), dirigido e roteirizado por Ray Mendoza e Alex Garland, acompanha um pelotão de Navy SEALs em uma missão malsucedida em território inimigo. O enredo se desenrola durante a Guerra do Iraque — conflito que se estendeu de 2003 a 2011, impulsionado por acusações de que o país abrigava armas de destruição em massa.

O principal objetivo do filme — e seu maior diferencial — é reconstruir com o máximo de fidelidade a missão da qual participou um dos roteiristas, Ray Mendoza, como forma de homenagear um colega que foi gravemente ferido e perdeu a memória do ocorrido. Segundo os diretores, trata-se de uma obra feita por veteranos e para veteranos.

Partindo dessa premissa, o longa se propõe a oferecer ao público uma experiência imersiva da guerra sob a perspectiva desses soldados. Essa ideia é sustentada durante o filme com uma direção de câmera precisa e um design de som que equilibra de forma eficaz os silêncios opressivos e os estrondos dos tiroteios, intensificando a tensão e a sensação de realismo.

Os trajes e equipamentos utilizados no filme reproduzem com precisão aqueles usados em combate, reforçando a imersão. Os próprios soldados participaram dos treinamentos e ensaios, algo que o longa faz questão de evidenciar ao exibir cenas dos bastidores durante os créditos. Esses elementos se combinam para criar uma narrativa que transmite a impressão de estar mostrando exatamente o que aconteceu.

Diante de todo esse preciosismo técnico, dessa recriação atenta aos detalhes, surgem provocações inevitáveis: até que ponto o que assistimos em tela é verdade? Até que ponto o longa representa uma aproximação genuína da realidade e não apenas uma versão cuidadosamente construída dela?

Indo mais a fundo, qual é, afinal, o valor de recriar os acontecimentos com tamanha fidelidade? De que forma isso contribui para o cinema enquanto linguagem? O realismo, por si só, torna-se um conceito vago no contexto do cinema, porque nunca foi sobre capturar a realidade, mas sobre interpretá-la, reinventá-la e construir novas formas de ver e sentir o mundo. Quando a técnica se sobrepõe à intenção artística, não corremos o risco de transformar o cinema em mera simulação?

Em um primeiro momento, o filme parece subverter o estereótipo clássico dos filmes de guerra, nos quais os soldados são retratados como super-humanos, dotados de força, inteligência e coragem inabaláveis. Em Warfare, o pelotão é composto por homens medrosos, tolos e, por vezes, sem escrúpulos mas também capazes de empatia e companheirismo.

Com o claro intuito de mostrar que os soldados são humanos, complexos e ambíguos — nem heróis perfeitos, nem vilões absolutos — o filme, no entanto, recai em um estereótipo ao retratar o personagem de Mendoza. Ele é apresentado como um líder forte, disciplinado e quase infalível, com poucos momentos de vulnerabilidade restritos a devaneios em meio ao caos. Sua moral é inabalável.

Além disso, ao focar exclusivamente no ponto de vista dos soldados americanos, acompanhamos invasões, ocupações e mortes protagonizadas por eles e justificadas como necessárias. O resultado é uma narrativa que torna tudo compreensível e justificável, reforçando a ideia de que, por serem soldados em guerra, suas ações merecem compaixão e entendimento — uma postura que sugere que Warfare busca criar empatia pelo invasor americano.

No contexto devastador da Guerra do Iraque, o filme falha ao não ampliar o olhar atento dedicado aos soldados para incluir as verdadeiras vítimas do conflito. Uma família iraquiana, cuja casa é ocupada pelo pelotão, surge raramente em cena. Nos poucos momentos em que o longa parece reconhecer sua existência e o sofrimento que enfrentam, essas cenas são rapidamente ofuscadas por gritos de soldados feridos, conflitos internos do líder ou transmissões de rádio.

A aparente “compaixão” por eles soa superficial e, por vezes, desconectada da realidade que o trabalho alega retratar. Mais uma vez, observa-se um filme de guerra que reproduz estereótipos antigos da mídia americana, que dividem os árabes em dois perfis simplistas: civis indefesos e sofridos, a serem protegidos pelo exército americano, e terroristas desumanizados, cruéis e amoralmente caricaturais.

Se o realismo técnico impressiona a forma rasa com que o filme retrata as vítimas da guerra espanta. Warfare se apresenta como “contado em tempo real e baseado nas memórias de quem viveu” mas não se preocupa em explorar a complexidade humana do outro lado do conflito. Encerra com um tributo aos soldados e um agradecimento às forças armadas sem nenhuma consideração, se permitindo ter uma visão fechada sobre quem são aqueles que, de fato, vivem até hoje às consequências dessa invasão.

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