
Em abril deste ano, os streamings e as redes sociais testemunharam a explosão do álbum Dominguinho, de Jota.pê, João Gomes e Mestrinho. Gravado ao vivo no Sítio Histórico de Olinda, o trabalho rapidamente ganhou destaque na imprensa e conquistou parte da crítica, que não poupou elogios, tanto pela qualidade dos músicos quanto pela excelência da produção.
Ainda assim, há sempre quem torça o nariz ou, pior, quem sequer se interesse em conhecer o que não vem do seu próprio “gueto cultural”. Eu, infelizmente, muitas vezes me enquadro nesse segundo grupo. Relutei em ouvir Dominguinho. Mesmo adorando o Mestrinho e respeitando profundamente o trabalho do Jota.pê, a presença de João Gomes me afastava. Para mim, JG sempre foi só João Gilberto.
Mas, após a insistência de uma amiga, resolvi dar uma chance ao disco, um mês após o lançamento, ainda carregado de preconceitos e melindres. Logo nas primeiras faixas, fui surpreendido: gostei. Os arranjos e a simplicidade que envolvem o trio, acompanhados por uma pequena banda, evocam a nostalgia de quem percorre as veredas da música nordestina. Tudo soa leve — até as dores de amor que costuram o álbum do início ao fim.

Entre as 12 faixas, não há um ponto isolado de destaque: todas são de altíssimo nível e se encaixam, de forma quase íntima, às emoções e experiências de cada ouvinte. A surpresa foi tão grata que, na última sexta-feira, estive no show de estreia da turnê, realizado no Iguatemi Hall, em Fortaleza. Uma noite memorável para quem aprecia boa música — daquelas que emocionam de verdade.
Tirando o atraso de quase duas horas, o show beirou a perfeição, começando pelo envolvimento do público. Todos pareciam saber as letras de cor, fazendo coro com os artistas, que esbanjavam simpatia e alegria por estarem ali, iniciando uma turnê que deve circular pelo Brasil e Europa.
Seguindo o roteiro do álbum, o show abriu com “Lembrei de Nós”, passando por “Beija Flor”, “Arriadin por Tu” e “Flor”. Mas os músicos ainda surpreenderam ao incorporar clássicos do forró, como “Te Faço Cafuné”, “Anjo Querubim” e “Dona da Minha Cabeça”, além de ousarem com sucessos da MPB, como “Velha Roupa Colorida”, de Belchior, e “Não Quero Dinheiro”, de Tim Maia. Voltando ao álbum Dominguinho, jamais imaginei que fosse vibrar com “Mete um Block Nele” ou me emocionar com “Lenda” e “Flor de Flamboyant”. “Mala e Cuia” fez muita gente reviver o passado. Aliás, talvez esse seja o maior trunfo do disco: unir o novo e o antigo sem preconceitos. Tudo é forró. Tudo é amor. Tudo é Brasil.
O repertório ainda incluiu “Até Mais Ver”, “Some ou Me Assume”, “Meu Bem” e “Pontes Indestrutíveis”. Em duas horas de apresentação, eu — como as centenas de espectadores que estavam ali — experimentei o êxtase de presenciar um espetáculo bonito, vibrante e bem ensaiado, no qual os protagonistas se entregaram por completo ao público. Antes que me esqueça: aplausos para João Gomes, por sua simpatia e presença de palco. Apesar dos narizes torcidos (como o meu) ele ainda vai brilhar muito por aí.
Belchior estava certo: o novo sempre vem (e que bom).