
Naquele limbo tortuoso entre a pré-adolescência e a adolescência, poucas coisas são tão assustadoras quanto o que outra pessoa está pensando sobre você. “Aquele olhar foi pra mim? Riram de mim? Será que eu fiz alguma coisa idiota?”, e por aí vai. Essas turbulências são o pano de fundo inicial em ‘O Telefone Preto’ (The Black Phone, 2021), ocupando a mente dos protagonistas – até algo muito pior virar à esquina.
Baseado em um conto de Joe Hill, o filme acompanha o jovem Finn, de 13 anos, que tenta seguir a vida apesar do bullying na escola e dos rompantes violentos do pai alcoólatra. Ele e a irmã mais nova, Gwen, perderam a mãe ainda cedo e recorrem um ao outro nos piores momentos. A realidade se agrava aos poucos, conforme colegas de escola dos dois começam a sumir pelo bairro, sem deixar pistas. Os cartazes de “procura-se” se multiplicam, e o medo também.
O motivo dos desaparecimentos é especialmente pavoroso porque poderia acontecer em qualquer lugar: um homem alto, vestido com uma capa e cartola, desce de uma van segurando balões pretos. Ele aborda os meninos e conversa com eles, parecendo inofensivo, mas o destino de todos é o mesmo. São agarrados, drogados e levados no veículo até o porão de uma casa, de onde ninguém sai.

O longa dirigido por Scott Derrickson se passa em 1987, período em que os Estados Unidos viviam o “pânico das crianças desaparecidas”, quando uma série de menores de idade foram raptados em diferentes regiões do país. Em alguns casos, a investigação desvendava um assassinato; outros permanecem sem solução até hoje. Foi também nessa época em que começou a divulgação de fotos de pessoas desaparecidas em embalagens de leite.
O Sequestrador, interpretado por Ethan Hawke, é o personagem mais macabro da carreira do ator. Com suas múltiplas máscaras em formatos diferentes, ele submete os meninos ao seu humor, ora “gentil”, ora agressivo. Ele não admite os próprios crimes, culpando uma outra persona quando questionado. O transtorno se mistura à maldade em uma combinação que assusta por ser terrivelmente real.
Esse mesmo realismo na interpretação é o que surpreende – e comove – nos protagonistas. Cada personagem, vítima ou sobrevivente, te faz sentir algo muito genuíno. Finn, vivido por Mason Thames, supera as próprias inseguranças e vinga os amigos fazendo o que imaginava ser incapaz de fazer: defender a si mesmo. A pequena Gwen, interpretada brilhantemente por Madeleine McGraw, transmite o desespero na busca pelo irmão de uma maneira que nem todo ator veterano conseguiria igualar.
Embora seja ancorado em medos concretos, é no sobrenatural que ‘O Telefone Preto’ encontra esperança. Sem esse elemento, o filme poderia ser um documentário, o retrato de uma estatística cruel. É uma jornada sombria, angustiante, corajosa e inspiradora, e mostra que é possível – e necessário – saber a hora de revidar.