
Após Embriagado de Amor, Paul Thomas Anderson se interessou pelo universo retratado em Sangue Negro, baseando parte da narrativa no livro Oil!, de Upton Sinclair, e nos vastos cenários do Texas, onde homens se lançavam à procura de petróleo. O diretor constrói aqui uma espécie de western corporativo, com ecos de O Tesouro de Sierra Madre (1948), tanto na estrutura quanto no comentário irônico, centrado em disputas de poder movidas por uma energia quase caótica — como a de uma locomotiva desgovernada.
A história se passa na virada do século XIX para o XX, na fronteira da Califórnia. Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis) é um minerador de prata fracassado que divide sua vida com a responsabilidade de criar um filho sozinho. Ao descobrir a existência de uma pequena cidade onde o petróleo jorra do solo, ele parte com seu filho, H.W. (Dillon Freasier), rumo ao oeste. O lugar se chama Little Boston, onde a principal figura local é o carismático pastor Eli Sunday (Paul Dano). Daniel e H.W. arriscam tudo e encontram um poço de petróleo — conquista que lhes traz riqueza, mas também uma série de conflitos.
No faroeste particular de Anderson, a conquista do território acontece através de Daniel, cujo próprio nome — Plainview — já revela o olhar objetivo do diretor sobre sua persona. Daniel não vê nuances: é pragmático em sua busca por poder. Tudo em sua trajetória converge para a conquista — inexorável, impiedosa, indiferente a qualquer obstáculo.

No início, ele tenta se cercar de humanidade — por meio do filho adotado ou do suposto irmão que aparece mais adiante. Mas tudo isso funciona apenas como ferramenta para alcançar seus objetivos. É nesse ponto que Anderson costura sua crítica política: a apropriação de terras, a criação da propriedade privada e a formação de comunidades girando em torno desse processo. A rivalidade entre Eli e Daniel gera os momentos mais explosivos do filme: de um lado, o poder da religião; do outro, o poder do capital. Ambos disputam o domínio da comunidade.
Ao longo da trama, testemunhamos a corrosão moral provocada por um pensamento capitalista compulsivo. Daniel se desfaz de qualquer resquício de humanidade: abandona o filho, descobre a farsa do irmão postiço e, nesse processo, conquista sua ascensão — mas também sua ruína pessoal. Sua trajetória é conduzida como um trem a vapor: violento, desgovernado, incontrolável. A trilha sonora de Jonny Greenwood (guitarrista do Radiohead), na primeira de várias colaborações com Anderson, amplifica essa sensação de brutalidade: o andar manco do protagonista, a violência da perfuração, o colapso emocional dos personagens.
Um dos momentos mais marcantes ocorre quando Daniel observa, à distância, o acidente no oleoduto: uma chama gigante engole o céu, enquanto seu filho perde a audição. Para Daniel, não é tragédia — é vitória. É a materialização de seu domínio sobre a natureza.
No desfecho, completamente despido de qualquer máscara de humanidade, Daniel humilha o filho, que já não vê honra na herança paterna, apenas um legado de competição brutal. Já o encontro final com Eli representa o ápice da crítica de Anderson: Daniel expõe a farsa da meritocracia, ignora o “sagrado” direito à propriedade privada, rouba, humilha e, por fim, rompe até mesmo com as regras sociais básicas.
Anderson constrói uma narrativa marcada por explosões, absurdos e momentos em que tensão e comédia se equilibram com precisão. Em entrevista a Marc Maron, o diretor afirmou o quanto foi divertido — até engraçado — filmar essa obra, e isso transparece na tela. Ao evocar O Tesouro de Sierra Madre, Anderson parece rir da piada cruel que é o capital: uma força que leva indivíduos a cometer atrocidades contra seus semelhantes. Sangue Negro é, em última instância, uma visão implacável do nascimento do capitalismo — ao mesmo tempo trágica, absurda e sombriamente cômica.