Uma batalha após a outra: PTA transforma suspense paranoico em carta de amor à família

A obra é uma reflexão sobre a paternidade em um mundo instável e ameaçador
Este é o primeiro filme dirigido por Paul Thomas Anderson com Leonardo DiCaprio no papel principal / Foto: Divulgação

O último filme de Paul Thomas Anderson ambientado no tempo “atual” havia sido Embriagado de Amor, no qual ele explora sua ansiedade social por meio de um romance desritmado, mas intenso. A obra foi um experimento: queria trabalhar com Adam Sandler e realizar um filme mais enxuto, com 90 minutos, após o épico Magnólia.

Agora, em Uma Batalha Após a Outra, o jogo muda. Se em Licorice Pizza, seu trabalho anterior, Anderson lidava com a nostalgia da infância e filmava com carinho o bairro de Los Angeles onde nasceu, aqui ele se lança em seu projeto mais ambicioso, caótico e ansioso até hoje.

Na nova obra, Leonardo DiCaprio interpreta Bob Ferguson, um ex-revolucionário que sai da aposentadoria para enfrentar a missão mais importante de sua vida: resgatar a filha. Após uma juventude vivida em um grupo de guerrilha, Bob carrega frustrações e feridas de uma vida fracassada, até que o mais cruel de seus antigos inimigos, desaparecido há 16 anos, retorna e sequestra a menina. Diante disso, ele reúne seus velhos companheiros e embarca em uma missão implacável, correndo contra o tempo para salvar quem mais ama.

O longa carrega a paranoia típica da obra de Thomas Pynchon, especialmente dos anos 1960 e 1980, como já visto em Vício Inerente. Mas Anderson atualiza esse espírito: insere sua narrativa num mundo atravessado pela ascensão global do fascismo, por conflitos raciais e pela repressão a imigrantes nos EUA. O pano de fundo político é redesenhado com força e atualidade.

A conexão pessoal do diretor com o tema é inevitável. Casado com Maya Rudolph, com quem tem quatro filhos, filhas negras incluídas, Anderson enxerga na ascensão da supremacia branca um perigo real. Bob, seu protagonista, também é pai de uma menina negra, Willa, que cresce em um ambiente hostil. Essa escolha narrativa aprofunda o elo emocional da história. Se Trama Fantasma foi uma carta de amor a Maya, Uma Batalha Após a Outra é uma declaração comovente de Anderson a seus filhos.

O filme transborda riqueza cinematográfica, começando pelo ritmo frenético que faz suas quase três horas passarem com fluidez. Como em outras obras do diretor, a ansiedade é constante. Para seu grande épico de ação, Anderson retoma a parceria com Jonny Greenwood, iniciada em Sangue Negro. Greenwood entrega uma trilha sonora que reinventa a música clássica, evocando até o cinema mudo — como se Buster Keaton enfrentasse os dilemas do século XXI, envolto em drogas, álcool e paranoia.

A trilha se casa perfeitamente com sequências de perseguição urbana que lembram Operação França, de William Friedkin. O piano dita o pulso da narrativa: graves e agudos orquestram a tensão e a urgência. Bob está sempre em movimento, seja em seu passado glorioso com o grupo French 75, seja em seu presente decadente, tentando recuperar a filha, já debilitado pelos excessos da vida.

Anderson constrói um mundo à beira do colapso com inteligência, mesclando suspense, crítica política e sátira. Leonardo DiCaprio e Sean Penn brilham em registros opostos: DiCaprio como o revolucionário envelhecido, correndo de roupão pelos telhados, deslocado no próprio tempo; Penn como um supremacista frio e quase caricatural, com trejeitos que lembram Popeye.

O jogo de gato e rato entre os dois personagens é um dos pontos altos do filme. Anderson não poupa críticas ao supremacismo: mostra capitalistas arquitetando uma “limpeza racial” e escancara a violência estrutural contra corpos racializados. Sequências como Perfídia e Lockjaw ilustram bem essa tensão. Ao mesmo tempo, o diretor também satiriza a burocracia dos movimentos revolucionários. É especialmente simbólica e bonita a cena em que trabalhadores latinos se unem à luta, liderados pelo carismático personagem de Benicio Del Toro.

As cenas de ação, filmadas em Vistavision, impressionam pela precisão e impacto visual. Das operações do French 75 às perseguições em ambientes urbanos, tudo culmina em um terceiro ato eletrizante: uma corrida de carros filmada como uma montanha-russa pelos cânions do oeste americano. Anderson ecoa diretamente Rastros de Ódio, de John Ford, ao traçar a jornada desesperada de Bob em busca da filha — uma travessia entre vales e cumes que chega a provocar vertigem.

O resultado é um espetáculo cinematográfico monumental, com fôlego para marcar a década. E, ao fim, Anderson revela o coração de sua obra: não se trata apenas de um épico screwball de ação. Uma Batalha Após a Outra é, acima de tudo, uma meditação sobre a paternidade em um mundo instável e perigoso — e uma emocionante homenagem de um pai aos filhos que quer proteger.

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