A coragem não é a ausência do medo

Texto de Barbara Câmara, jornalista e entusiasta de filmes de terror
Se a ambientação e o figurino juntos são a alma de ‘A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça’, as interpretações e os diálogos entre os personagens dão carne e osso à obra / Foto: Divulgação

Dos primórdios do folclore estadunidense, uma história em particular se destaca não só por sua publicação em formato de conto, mas por uma adaptação cinematográfica memorável. ‘A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça’ (Sleepy Hollow, 1999), dirigido por Tim Burton, é baseado em um livro de Washington Irving, publicado na década de 1820. 

A obra acompanha o policial Ichabod Crane, interpretado por Johnny Depp, que é enviado a uma pequena cidade no estado de Nova York para investigar uma série de assassinatos, em que as únicas pistas deixadas são os cadáveres – sem sinal de cabeças por perto.

Burton triunfa nessa contribuição brilhante para o terror gótico, uma das melhores de sua carreira. Nos primeiros 15 minutos, a cenografia já entrega a atmosfera envolvente e sombria que os fãs do gênero almejam. Segundo o diretor, o trabalho do cineasta italiano Mario Bava, bem conhecido por seus longas de horror, foi uma das principais fontes de inspiração para esse filme. A obra ainda conquistou o Oscar de ‘Melhor design de produção’ em 2000.

Se a ambientação e o figurino juntos são a alma de ‘A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça’, as interpretações e os diálogos entre os personagens dão carne e osso à obra. Em seu ceticismo quase inabalável, o protagonista questiona tudo e todos que o confrontam com relatos sobrenaturais – não só por se orgulhar de ser um “homem da ciência”, mas pelo pavor de ter de lidar com algo que não consegue explicar. 

Depp mistura o genuíno e o caricato para dar o tom a Ichabod, um herói definitivamente atípico que se esconde atrás de livros e anotações, desmaia em momentos de desespero e evita a todo custo se aventurar sozinho. Ainda assim, trêmulo e com passos lentos, ele caminha em direção ao perigo quando sabe que é necessário, corajoso em sua essência.

Por outro lado, a coprotagonista Katrina Van Tassel – vivida por Christina Ricci – é o contraponto do policial: estuda poções e feitiçaria com afinco, certa de que podem servir para um bem maior e proteger sua família. Ela debate com o personagem de Depp, e ambos negociam espaços para as próprias crenças, seja a razão ou a magia.

Nesta adaptação, pela primeira vez, a figura do cavaleiro não precisou ter sua cabeça envolta por um capuz. O efeito ficou por conta de uma máscara azul, depois removida por computação gráfica. Ironicamente, é a fluidez nos movimentos do antagonista que traz o peso e o terror necessários à sua presença. Para as cenas de luta, o personagem foi interpretado por Ray Park, que, no mesmo ano, ficou marcado por seu papel como Darth Maul em ‘Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma’.

Prestes a completar 26 anos desde a estreia, ‘A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça’ preserva sua beleza e relevância para o terror gótico sem dificuldade. O roteiro bem estruturado lembra o espectador de que nem tudo é o que parece, e que a coragem nunca foi um sinônimo da ausência do medo.

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