Com O Agente Secreto, KMF expõe um Brasil que luta contra o esquecimento

O filme tem estreia prevista para novembro
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Na imagem, um dos melhores momentos da obra / Foto: Divulgação

Kleber Mendonça Filho é um dos cineastas mais completos do cinema brasileiro contemporâneo. Acompanhar sua trajetória é perceber o amadurecimento de ideias que se desdobram em camadas, ritmo, precisão e coragem. Com O Agente Secreto, seu novo longa, cotado para o Oscar 2026, essa evolução alcança um ponto de tensão rara. Na estreia mundial em Cannes, no Grand Théâtre Lumière, a reação do público foi intensa, e o cinema parecia ter sido incendiado.

Dito isso, desde maio de 2025, o filme tem ocupado minhas atenções. O Agente Secreto não é apenas um dos trabalhos brasileiros mais impactantes dos últimos anos, mas também uma produção relevante no cenário global. É um thriller político tropical que combina a tensão de Brian De Palma, o delírio visual de David Lynch e o humor narrativo de Quentin Tarantino, filtrados pela luz quente e violenta do Recife de 1977.

Consequentemente, KMF vai além de simplesmente situar o filme na época da ditadura. Ele faz da repressão uma presença quase tangível, que se sente no corpo do espectador. O Agente Secreto combina drama, suspense, comédia irônica e uma reflexão sobre medo e memória. A ditadura aparece como um pesadelo coletivo, uma sombra que persiste até hoje. O calor do Recife não é apenas cenário, mas elemento narrativo que reforça a tensão e a intensidade da história. A cidade pulsa na tela, ao mesmo tempo opressiva e fascinante. Com uma direção de arte meticulosa, Kleber recria o verão de 1977 de forma tão detalhada que cada plano parece transportado do próprio período, transformando o filme em uma cápsula do tempo.

O filme também é uma denúncia contra o esquecimento e uma batalha pela preservação da memória. Ele resgata fatos e sentimentos, dá voz ao que foi silenciado e mantém vivas narrativas que tentaram apagar-se. É uma obra de resistência contra o apagamento histórico, que reforça a identidade coletiva e a humanidade compartilhada.

Na trama, Marcelo, vivido por Wagner Moura, chega ao Recife fugindo do Sudeste e tenta refazer a vida enquanto fantasmas do regime o perseguem. Ele protege o filho e tenta sobreviver num país em que a opressão se esconde em cada esquina. Moura entrega uma atuação contida, mas carregada de tensão, com presença física e controle da voz que tornam o personagem sempre à beira da ação. A inteligência de Marcelo se revela na paciência estratégica, na capacidade de saber quando agir.

O elenco é afiado e bem desenvolvido, com personagens que poderiam facilmente protagonizar seus próprios filmes. O humor absurdo aparece de forma precisa, equilibrando o drama e ampliando a estranheza da narrativa. O filme mistura suspense paranoico, espírito de aventura e jogo psicológico, e Kleber não imita influências, mas as transforma em linguagem própria. A fotografia amarelada remete à película da época e reforça a narrativa, e a trilha sonora, cuidadosamente escolhida, contribui para a experiência emocional, incluindo a melancolia de Ângela Maria nos créditos finais.

No fim, O Agente Secreto é sobre o Brasil, sobre o que foi, o que ainda é e o que tentamos esquecer. É sobre lembrar para não repetir, sobre rir para não enlouquecer, sobre correr sem saber de onde vem o tiro. É um filme de espionagem, de memória, de horror, de desejo e de resistência. Acima de tudo, é cinema que provoca, envolve e permanece.

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