
A pele de minha avó era lisa, mole e pálida. Seus dedos eram grossos, mas fracos; pareciam ganhar força exclusivamente quando se sobrepunham às mãos dos netos, as quais ela sempre fazia questão de apertar com afinco.
– Você devia vir mais aqui, viu, Thiago.
– Eu sou o Yuri, vó.

Ficava chateada se eu chegasse ao apartamento das minhas tias – suas filhas, com quem morava há quase duas décadas – e não fosse direto falar com ela. Não importava se estivesse tomando banho, trocando de roupa, dormindo ou dentro do seu próprio universo, alheia ao nosso espaço físico. Assim que notava minha presença, soltava a mesma pergunta:
– E a bênção?
De vez em quando, se estivesse se sentindo mais ousada e enérgica, soltava um:
– Esqueceu que tem vó, foi?
Eu sempre ria, o que fazia ela rir de volta, como se percebesse a própria perspicácia e se gabasse dela com aquela risadinha rouca, baixa, mas sempre perceptível.
Tinha 97 anos, mas não deixava de ser uma das mulheres mais ousadas que eu conhecia. Dona Elza que tinha que maneirar no açúcar? Ela roubava cachos de banana das estantes altas do apartamento. Dona Elza tinha que usar o andador? Se demorassem demais para ajudá-la a se levantar, ela o fazia sozinha (e provavelmente travava as costas no processo). Dona Elza não poderia usar aquele vestido que queria para ir à missa de domingo? Rasgava o que minhas tias haviam escolhido para ela e dizia que foi um acidente.
– Tá vendo? É muito pequeno, rasgou quando eu tava tentando colocar.
– Mas você sempre usa esse vestido, mãe.
O retrocesso à infância vivido na velhice pode parecer teatral ou cômico para quem assiste de longe, mas talvez o valor de entretenimento não seja tão alto para quem está perto. A teimosia infantil de minha avó gerava protestos, estresse, brigas, dores físicas e emocionais — tanto nela quanto em quem estava ali, tentando ajudar a “criança”. Mas jamais me parecia algo infundado.
A realização da ausência de recompensas depois de ter conseguido sobreviver neste mundo por tanto tempo, acompanhada de um retrocesso mental a uma época em que nunca se esteve tão frágil, dependente e vulnerável, sempre me abateu como uma das grandes crueldades da vida — daquelas que fazem questionar o sentido e o porquê de tudo: da vida, da morte, da velhice, dos netos, dos avós, da linhagem, do sexo, do movimento e da ausência dele. Tudo.
Eu também teria raiva se fosse minha avó. Estaria puto da vida. Quer dizer que, depois de quase dez décadas vividas neste mundo, eu não teria direito sequer a comer meia banana com farinha láctea depois do almoço? Então qual seria, afinal, o propósito dessa merda toda?
Certa tarde, quando cheguei ao apartamento para me aproveitar do sempre impecável almoço de domingo feito pela minha tia Dôra, ela estava sentada no canto do sofá, imóvel, quase como uma estátua. Olhava para baixo, apesar da TV — que adorava assistir — estar à sua frente, mais acima. Meu tio e minhas tias se levantaram para falar comigo, e acabei me aproximando dela somente depois de cumprimentar todos da casa. E eu sabia que ela estava olhando.
Quando sentei ao seu lado, não houve protestos por bênçãos, nem questionamentos sobre o meu reconhecimento de sua figura matriarca, mãe do meu pai, minha avó e de mais outros 16 netos. Tudo o que ela disse foi:
– Oi, meu filho.
Falou baixo, quase de canto de olho, apesar de os olhos ainda manterem o brilho que soltavam toda vez que reconhecia um neto à sua frente, segurando sua mão. Imediatamente, soube que havia algo errado.
– O que foi, vó?
– Dor.
– Onde?
– Todo lugar. Menos aqui. – e passou a mão pelos cabelos brancos, como uma menina acariciando a boneca que tem como filha.
– Então podia ser pior. – eu disse, tentando fazê-la rir, mas ao mesmo tempo me sentindo culpado por pormenorizar seu sofrimento.
Mas ela riu. E aí me senti melhor por tê-la feito se sentir melhor — mesmo que só enquanto a risada durou.