Jay Kelly e a crise do estrelato em Hollywood

Noah Baumbach se une a George Clooney para construir um ensaio que busca trazer os astros de Hollywood de volta aos holofotes
O filme que segue na campanha pelo Oscar é uma produção original da Netflix / Foto: Netflix

Hollywood e suas estrelas parecem estar desaparecendo. Houve um tempo em que atores eram verdadeiros chamarizes de público, capazes de lotar salas apenas com seus nomes estampados no pôster. A forma de consumir cinema mudou e, hoje, são cada vez mais raros os intérpretes que conseguem atrair espectadores apenas pela própria presença.

Diante desse cenário, a indústria tem se reinventado para tentar reconquistar o público. Uma das estratégias visíveis é a recorrência de narrativas de duplo, como em Mickey 17, Pecadores, Alto Knights e até O Agente Secreto. O recurso parece funcionar como um artifício adicional, algo que vá além do ator em si, seja pelo desafio técnico, seja pelo uso da tecnologia, capaz de despertar interesse.

Outra estratégia recorrente envolve atores de alto calibre que misturam a própria imagem pública à de seus personagens. É o caso de Tom Cruise na franquia Missão: Impossível, Brad Pitt em F1 – O Filme, Adam Sandler em sua trajetória na comédia e até Robert De Niro em Alto Knights. É nesse contexto que se insere Jay Kelly, o novo longa de Noah Baumbach.

O filme acompanha a jornada de Jay Kelly (George Clooney), um ator de cinema extremamente famoso, e de seu dedicado empresário Ron (Adam Sandler). Juntos, eles atravessam a Europa em uma trajetória intensa, marcada por escolhas do passado, relações mal resolvidas e pelos legados que construíram e que ainda deixarão para a posteridade.

Baumbach celebra a carreira do ficcional Jay Kelly enquanto incorpora à narrativa a própria grandeza de George Clooney. O longa tenta abarcar múltiplos temas: a cultura do cancelamento, a desumanização das figuras públicas, a família (como todo bom filme americano) e, por fim, uma espécie de homenagem à trajetória do ator.

Assim como Valor Sentimental, que também reflete sobre a indústria e os laços familiares, Jay Kelly utiliza o cinema como ferramenta de terapia e cura de seus personagens. A montagem é central nesse processo, inclinando-se à comédia e costurando presente e passado dentro da mesma composição de cena, seja por meio de pans ou de movimentos bruscos de câmera. Essa fusão entre vida real e ficcional acaba por sufocar o protagonista, incapaz de criar ou sustentar relações genuínas – com um amigo da faculdade, com o melhor amigo ou até com a própria filha.

O olhar do filme tenta equilibrar cinismo e melancolia no movimento de ascensão e queda de Jay Kelly, para então arrancá-lo de sua fantasia de grandeza e devolvê-lo à humanidade. Isso acontece em um momento curioso, em que estrelas de Hollywood parecem usar o próprio cinema como ferramenta de “limpeza de imagem”, como em F1 – O Filme, no qual Brad Pitt dialoga, ainda que indiretamente, com polêmicas de sua vida pessoal.

George Clooney aposta em seu carisma natural para compor um homem falho que, moldado pela indústria, é afastado da própria realidade e progressivamente desumanizado – dentro das devidas proporções sociais. O ator celebra a manufatura do cinema e, como em um grande espetáculo, parece encarar o filme como um possível canto do cisne, pedindo bis ao público.

Jay Kelly se apresenta, assim, como um ensaio conjunto de Clooney e Baumbach para resgatar estrelas cada vez mais diluídas pela indústria cultural, recolocando-as nos holofotes como pessoas, e não como imagens geradas por IA ou marionetes de grandes corporações. É curioso e até irônico que esse movimento surja em uma produção da Netflix, mas é um retrato fiel do funcionamento atual da indústria.

Nesse olhar honesto, Jay Kelly é uma obra falha, embora apresente momentos pontuais de brilho, especialmente na montagem e na atuação de Adam Sandler. Em seus olhos cansados e tristes, o ator oferece o lastro humano de que o filme precisa para, enfim, ancorar seu protagonista.

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