
Em 24 de dezembro de 1865, menos de três semanas após a ratificação da 13° emenda abolindo a escravidão nos Estados Unidos, seis ex-líderes confederados se uniram para formar um grupo radical e de base ideológica racista. Esse grupo supremacista, fundado em território norte americano ainda no século XIX, foi e continuam sendo responsáveis pela proliferação de discursos de ódio e do fortalecimento do conservadorismo religioso e, como resultado final, uma visão preocupantemente distorcida do cristianismo, o que podemos chamar de instrumentalização da fé. Com isso, é evidente o uso da religiosidade como instrumento de controle mental e social.
Observando a construção histórica da Ku Klux Klan, é possível notar a pseudo narrativa de que os Estados Unidos eram uma nação escolhida por Deus e feita para pessoas brancas. Ao mergulharmos ainda mais fundo nessa historicidade conservadora religiosa da KKK, é fácil de identificar um nacionalismo cristão, uma espécie de movimento que, de forma perigosa e covarde, mistura identidade nacional, patriotismo, a questão da raça e fé cristã como um único corpo político. Não somente um corpo político, esse tal nacionalismo cristão procura implementar um certo padrão moral e uma verdade absoluta.
Com um caráter abertamente racista e misógino, a Ku Klux Klan passou a se reunir nas cidades do Sul dos Estados Unidos como uma espécie de organização secreta, tendo alguns símbolos como objeto de identificação. O primeiro desses símbolos era o próprio nome: Ku Klux Klan. O nome provavelmente veio da palavra grega Kukkos, que significa círculo, e da palavra Klan, que significa reunião de pessoas. Há também uma outra hipótese quanto à escolha do nome, que é da palavra ter sido escolhida para dar uma ideia de uma arma sendo carregada, pronta para ser disparada. As vestimentas, outro símbolo usado pelo grupo, retratam a base racista: o uso do branco como símbolo de supremacia. Outro símbolo, sendo esse carregado com uma energia sombria e fúnebre, são os capuz cobrindo todo o rosto, deixando o anonimato do sujeito branco, misógino e racista que o vestia e que, lamentavelmente, ainda o veste. Sim, ainda existem células atuantes da KKK, não apenas em território estadunidense, mas também aqui, nessa terra que também é palco de atrocidades raciais e que finge viver uma democracia racial. A verdade é que o Brasil está nutrindo grupos radicais no colo da Mãe Gentil e é preciso, urgentemente, que as Instituições tomem as devidas providências para que se barre o crescimento de grupos simpatizantes da Ku Klux Klan e de demais grupos radicais que, fundamentados em narrativas falaciosas, barram o crescimento do progresso social.

Aqui, dentro dessas linhas que narro, alimentado de leitura e pesquisa, é importante dizer que os membros da Klan podiam desfilar a cavalo à noite vestidos com fantasias extravagantes ou mesmo ameaçar líderes específicos com violência. A brutalidade passava, naquele instante, a se tornar uma característica essencial do grupo racista. Cada vez mais, durante 1868, essas ações se tornaram grotescas e desumanas, variando de chicotadas à mulheres negras vistas como insolentes e tambem ao assassinato de líderes importantes. Crianças negras eram traumatizadas por grupos de pessoas encapuzadas, levando uma cruz em chamas e pregando o fim da comunidade negra. Dessa forma, ataques a negros se tornaram comuns durante 1868 (e segue atual). A fé cristã e seu símbolo maior, o crucifixo, em muitas das passeatas noturnas promovidas pela KKK, era utilizado como ferramenta, ou melhor, como insígnia de perseguição ao povo negro.
O fundamentalismo religioso, esse movimento que surgiu nos Estados Unidos no início do século XX, e que vem ganhando cada vez mais espaço em todo o território brasileiro, proliferando-se também em outras regiões do mundo, refere-se à adesão rigorosa a doutrinas, textos sagrados e práticas tradicionais de uma religião. Esse movimento se caracteriza pela resistência a novas interpretações teológicas, buscando preservar uma visão conservadora da experiência religiosa. Esse mesmo fundamentalismo religioso, defendendo essa tal inerrância bíblica, serviu como base moral e justificativa ideológica para as diversas ações racistas da Ku Klux Klan. Negros, judeus, imigrantes, comunistas, todos eram perseguidados e chamados de ‘’Força do Mal’’. Esse movimento encontrou na KKK um aliado na defesa dos tais ‘’valores tradicionais’’, descredibilizando o progresso social, o pluralismo e a luta pelos direitos civis. Em suma, o racismo era (continua sendo) o combustível dos grupos supremacistas. Com a derrota dos sulistas na chamada Guerra Civil norte americana, o sujeito branco, carregado de um amargo ressentimento, desencadeou uma reação na sociedade sulista, alimentando a narrativa de se manter a economia com base na exploração e expropriação da comunidade negra, negando-lhes a ampliação de direitos fundamentais para a vida humana. Essa reação amarga por parte da comunidade branca do sul dos Estados Unidos, fortaleceu leis segregacionistas, separando negros e brancos. O Black Codes, por exemplo, estabelecia restrições para a liberdade dos negros e forçavam-os a aceitar trabalhar em condições tachadas como escravidão disfarçada. Uma nova roupagem para se manter a humilhação racial crescia em todo os Estados Unidos. Entretanto, movimentos de resistência foram criados para enfrentar esses grupos radicais e assegurar o direito à dignidade, segurança e educação.
De um lado, o Movimento Pelos Direitos Civis emergiu como uma força moral e política que lutava pela dignidade e igualdade da população negra. Do outro lado, a Ku Klux Klan representava a reação violenta e arbitrária, recusando-se a abrir mão dos muitos privilégios herdados da escravidão. Líderes e nomes importantes se levantaram durante esse período, organizando marchas e núcleos de resistência. Martin Luther King Jr, Rosa Parks, Malcolm X e tantos outros respeitáveis nomes mobilizaram milhões de pessoas. Boicotes e discursos que clamavam por justiça, liberdade e o fim da segregação, ecoaram por todo o território estadunidense. Em estados do sul como Alabama, Mississippi e Geórgia, episódios emblemáticos e elogiáveis marcaram o país. Em 1963, o atentado à bomba em uma Igreja Batista, em Birmingham, cometido por membros da KKK, matou quatro meninas negras e chocou o mundo com tamanha violência, tornando-se um dos estopins para o avanço da luta por justiça racial. Nesse mesmo ano, o grande líder e pastor Martin Luther King, organizou a Marcha sobre Washington, onde pronunciou o seu tão famoso discurso: ‘’I HAVE A DREAM.’’
Frederick Douglas, outro importante nome na luta por dignidade, lutou pelo fim da escravidão e pela seguridade dos direitos civis e políticos da comunidade negra norte americana. Frederick, escritor e ativista negro, foi um verdadeiro revolucionário de seu tempo. Frederick Douglas viveu durante o surgimento da KKK e denunciou veementemente a violência racial que ela representava. Para ele, a Ku Klux Klan era a continuidade do braço escravocrata, uma continuação dos sistemas de opressão da escravidão. Douglas foi ainda mais além, alertando sobre a cumplicidade do Estado e a falta de punição aos crimes cometidos pela Klan, além, é claro, de denunciar a hipocrisia democrática dos Estados Unidos em permitir a existência de grupos terroristas racistas. Abraham Lincoln, que, apesar de ter tido pouquíssimos encontros com Douglas, o tinha como conselheiro político. Essa proximidade dois dois, foi usado para motivo para o fortalecimento de grupos supremacistas: não era tolerável que um homem branco, ocupando um cargo político de grande destaque, desse ouvidos a um sujeito negro.
Essa luta entre liberdade e opressão, entre a dignidade e violência racial, ainda ressoa nos dias de hoje. Contudo, é importante lembrarmos que a resistência também se ergueu a partir da fé. Figuras como Martin Luther King Jr. utilizaram os mesmo textos bíblicos, não para dividir a sociedade, mas para unificar, unir o povo, para libertar, para guiar a comunidade negra até a libertação transformadora da vida. Esse cristianismo distorcido, apresentado pela Ku Klux Klan é o avesso da fé genuína, é o contrário do amor ensinado pelo profeta Jesus. Os muitos membros da elite política, da esfera judiciária e até protestantes evangélicos, confirmam o quanto que o fundamentalismo religioso se tornou um instrumento para a manutenção de privilégios e de controle social. Essa busca incessante por hegemonia religiosa é um mal enraizado na sociedade global. Não se fala em respeitar a população, fala-se hoje em catequizar, evangelizar, dominar, colonizar e controlar corpos. Nesse caso, é evidente quem são os alvos dessa política supremacista e fundamentalista: A COMUNIDADE NEGRA. A religião deve ser tomada como um caminho de autorrealização íntima do Ser, podendo, dessa forma, ser usada como ferramenta de controle mental, limitando nossa capacidade de enxergar as mudanças do mundo. A relação entre a Ku Klux Klan e o fundamentalismo religioso nos obriga a uma profunda e sincera reflexão sobre os perigos da fé instrumentalizada. Por fim, quando o Sagrado, essa força que rege a natureza e que está presente em todos os textos sacros das mais diversas correntes religiosas, é posto a serviço da violência arbitrária e cega, não estamos diante de uma manifestação religiosa legítima, mas de sua completa perversidade, fruto do Ego animalesco e doentio.