
Cristian Petzold é um cineasta que conquista facilmente quem se entrega aos seus filmes. Ao longo da carreira, ele construiu uma filmografia em que cada entrega parece conversar com a anterior, mostrando uma invejável evolução orgânica. Essa progressão permite que seus longas explorem angústia e amor de maneira contemporânea, sempre mantendo a crueldade que acompanha os sentimentos humanos, mostrando como emoções intensas podem ser sutis e danosas ao mesmo tempo.
Em Mirrors No.3, que vi em Cannes e depois na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Petzold parece dar alguns passos para trás em relação a trabalhos anteriores. O tema remete a histórias já exploradas, e a narrativa não alcança a mesma intensidade. Ainda assim, mesmo com esses tropeços, o filme se mantém à frente de grande parte da produção cinematográfica contemporânea, incluindo Hollywood, enfatizando que sua capacidade de contar histórias continua singular.
A trama acompanha Laura, uma jovem música que se sente deslocada em Berlim. Esse desconforto a acompanha durante uma viagem ao campo com dois amigos e o namorado, até que um acidente misterioso interrompe a jornada. O seu companheiro morre, e ela sobrevive quase intacta, iniciando assim uma transição que a leva para um ambiente completamente novo e inesperado.

Laura é acolhida por Betty, uma senhora de meia-idade, que, posteriormente, apresenta o seu marido Richard e seu filho, Max. Como é característico no trabalho de Petzold, a relação entre eles se constrói mais por olhares e gestos do que por palavras, criando uma tensão silenciosa que mantém o espectador atento a cada movimento. Laura adentra um lar marcado por dores do passado, enquanto Betty assume o papel de anfitriã de forma ambígua, ao mesmo tempo acolhedora e enigmática.
A interação entre as duas se torna quase simbiótica, em um delicado equilíbrio entre cuidado e absorção de forças, lembrando relações que se desenrolam em contos dos Irmãos Grimm e até mesmo outros filmes, como o primeiro ato de Louca Obsessão. Consequentemente, a fotografia clara e luminosa contrasta com os silêncios e medos que habitam cada personagem, reforçando a tensão emocional mesmo em momentos aparentemente tranquilos.
E, como é típico na obra de Petzold, o ritmo é pausado, mas nada se perde. Cada acontecimento se conecta de forma natural, mantendo o espectador em constante expectativa sem recorrer a atalhos narrativos. Para quem estuda ou escreve roteiros, Mirrors No.3 é um exemplo valioso de como cada cena deve cumprir seu papel na progressão da história. À primeira vista, tudo pode parecer lento ou até irrelevante, mas cada detalhe tem função dentro da narrativa.
No fim, a jornada confirma a força de Petzold como cineasta. É uma viagem que exige atenção e paciência, mas recompensa quem se entrega, reafirmando por que sua filmografia continua relevante e admirável para qualquer amante do cinema. Apesar de inferior aos seus trabalhos anteriores, Mirrors No.3 também é um filmaço.
Filme visto na cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

















