Nickel Boys: A observação de uma vivência oprimida e suas consequências

Filmado em primeira pessoa, a produção nos transporta para um reformatório na Flórida dos anos 1960
O filme está na disputa por duas estatuetas no Oscar 2025 / Foto: Divulgação

RaMell Ross é um documentarista que sempre investiga as vivências de pessoas pretas no mundo em que vivemos. Em seu primeiro filme ficcional, não seria diferente. Nickel Boys é a tentativa máxima do diretor de compartilhar seu perfil observacional, colocando o espectador, durante todo o filme, no “POV” (ponto de vista) dos personagens principais.

A poderosa amizade formada por dois jovens negros é o centro gravitacional de Nickel Boys. Baseado no romance homônimo vencedor do Pulitzer, o filme acompanha a aliança entre Elwood e Turner, dois adolescentes afro-americanos enviados para um reformatório juvenil brutal na Flórida, durante o ápice da implementação das leis segregacionistas de Jim Crow. A forte irmandade criada entre os dois forja um refúgio de esperança e afeto em meio aos horrores e violências sofridos dentro e fora da detenção. Enquanto Elwood inspira Turner a ter uma perspectiva mais otimista do mundo, Turner ensina a Elwood os truques necessários para sobreviver à realidade brutal que os cerca. Tudo isso acontece com o pano de fundo do Movimento pelos Direitos Civis, liderado por Martin Luther King de um lado e Malcolm X do outro.

Ao usar esse período histórico como pano de fundo, os personagens principais refletem os ideais de Martin Luther King Jr. e Malcolm X. Enquanto um defende uma postura mais revolucionária, acreditando na luta armada, o outro entende que a mudança deve vir de um caminho mais pacífico. Essa dinâmica de dualidade entra em conflito constantemente, mostrando como cada visão tem suas consequências em um mundo opressivo. Ross utiliza o ponto de vista subjetivo para trazer uma sensação mais sensorial ao filme. Há momentos em que quase conseguimos sentir o cheiro, a textura e o gosto do que está em tela, graças aos planos detalhados e à câmera observacional, que servem exatamente para isso.

Ainda assim, o diretor toma muito cuidado para não transformar o projeto em um “torture porn”, evitando mostrar com excessiva visceralidade as torturas sofridas pelos personagens. Ross sabe que as injustiças retratadas no filme são suficientes para provocar o impacto necessário no espectador. É interessante como ele utiliza um tom observacional e jornalístico para investigar o racismo nos Estados Unidos, misturando texturas, imagens de arquivo e planos contemplativos que capturam a melancolia vivida por Elwood e Turner. A narrativa, em certo momento, muda de perspectiva para mostrar, por meio da câmera, as sequelas que um trauma causa em um homem.

Além disso, o filme é um estudo sobre o choque geracional e como as marcas dessa opressão reverberam nas relações humanas, não apenas na esfera política e social, mas também na subjetividade dos indivíduos, em suas relações com o próximo, como namoradas, amigos e família, e como isso é transmitido adiante.

No fim, a obra é profundamente dolorosa de assistir, especialmente ao lembrar que esses eventos aconteceram há relativamente pouco tempo. Pior ainda, qualquer um que viveu em uma favela sabe que cenas como essas não deixaram de existir. A repressão policial continua a marcar a pele de pessoas pretas e pobres, e não apenas nos Estados Unidos. Mais do que trazer conscientização sobre o tema, é necessário lembrar. O esforço que alguns fazem para esquecer isso é imperdoável.

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