Os Americanos da América do Sul

Texto de Yuri Melo, publicitário, diretor, roteirista e crítico de cinema
“SUPREMO É O POVO. SUPREMO É O POVO!” / Foto: Folha de SP

Sempre me embasbacou o fascínio de alguns brasileiros de direita e extrema-direita pelos Estados Unidos da América. Ao meu ver, sempre foi algo que vai além do mero viralatismo. É uma veneração obviamente não recíproca, o que deixa tudo ainda mais interessante, mas isso está longe de ser meu único ponto de interesse.

A admiração é tanta que bandeiras dos EUA já chegaram a ser vendidas por quase R$ 100 nas proximidades de atos pró-bolsonarismo recentes. O sujeito vai lá, compra a bandeira de outro país e põe por cima da camisa da seleção canarinho que já estava usando — é uma espécie de capa de super-herói; ou, pelo menos, eles certamente enxergam dessa forma.

Engraçado. Muitos desses “super-heróis” — que, na grande maioria das vezes, são brancos — não fazem ideia de como seriam tratados no país que tanto admiram.

Você vai marcar sua etnia em qualquer formulário burocrático norte-americano? Tá ali a opção “Latino” guardada para você.

— Ué, mas eu sou branco.

Não. Não é. No interior de Santa Catarina, você até pode ser, mas fora dessa “safe zone”, não, camarada.

Em um ato bolsonarista realizado no Distrito Federal, no último dia 3 de agosto, um mar verde-amarelo (com alguns tons de vermelho americano) ecoava o seguinte mote:

“SUPREMO É O POVO. SUPREMO É O POVO!”

Ué. Qual povo? Quais americanos?

No Rio de Janeiro, nesse mesmo dia 3 de agosto, um rapaz fantasiado de Homem-Aranha detectou a câmera de um jornalista, chamou a atenção e soltou a plenos pulmões:

— Eu sou baiano, mas burro não, viu. Aqui é Bolsonaro 22!

Mas que coisa. Por que o rapaz já achou que seria considerado burro simplesmente por ser baiano? Não seria esse justamente um tipo de pensamento robustecido pelos ideais da multidão, composta, em sua maioria, por brancos sudestinos de classe média/média-alta?

Afinal, um “branco” da Bahia é branco mesmo? Ele é nordestino. E todo mundo sabe que nordestino é preguiçoso. Baiano então… nem se fala.

É impossível não lembrar da cena icônica do filme Bacurau, de Kleber Mendonça Filho, em que os sulistas brasileiros se encontram, em um momento de tensão, sentados a uma mesa repleta de norte-americanos — ou seja, brancos de verdade.

Os norte-americanos expressam seu descontentamento por os brasileiros terem “roubado” uma de suas mortes na caçada humana doentia que ocorre no decorrer do filme. Os brasileiros retrucam:

— Somos de colônias ricas do sul do Brasil. Somos mais como vocês.

Tensão. Silêncio. E depois, risadas.

— Como nós? — diz um dos americanos.

— Mas vocês não são brancos. Como podem ser como nós? — diz outro.

Do lado dos brasileiros: confusão e medo.

Do lado dos americanos: deboche.

A alienação de classes — ou, em raros casos, a ignorância consciente da mesma — impede que os admiradores dos brancos-americanos entendam que, por mais que expressem sua admiração pelos “seres superiores” do hemisfério norte, eles jamais serão vistos como pares.

A questão do “Tarifaço” entre Brasil e EUA pareceu afervorar essa situação mais uma vez. Na cabeça da grande maioria dos apoiadores bolsonaristas, o que o Brasil deve fazer é baixar a cabeça e aceitar as condições impostas pelo governo de Trump.

Resistir? Por quê?

É uma situação risória. Os cidadãos que defendem a submissão nacional à implacável hegemonia norte-americana pareciam estar aguardando a oportunidade perfeita para fazer exatamente isso: submeter-se.

Não deixo de perceber sintomas de projeção nessa relação tóxica e platônica entre o direitista e a “ideia” do povo norte-americano. Mas não da parte do brasileiro em relação aos norte-americanos; sim, da parte deles com o resto do Brasil.

É o resto do Brasil que é pobre, não-branco, latino e burro. Qualidades que os pró-bolsonaristas, naturalmente, enxergam como defeitos inerentes a uma classe inferior de brasileiros, à qual jamais poderiam pertencer.

Afinal, para citar novamente Bacurau:

— Somos de colônias ricas do sul do Brasil. Somos mais como vocês.

Mas vocês jamais serão.

E quer saber? Ainda bem. Depois de estudar o mínimo do mínimo sobre História, classe social e economia, acho que é fácil chegar a uma indagação básica e primordial:

Quem quer ser como um americano?

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