
Outro dia fomos a um restaurante, eu e minha esposa, um date, tudo perfeito! Se não fosse pelo fato de ela falar muito alto e gesticular muito com as mãos, coisa que me irrita profundamente, pois sempre que gesticula demais acaba derrubando alguma coisa. Já tentei explicar, ensinar de todas as formas como se comportar, mas é muito difícil. Às vezes eu penso que ela faz de propósito, só para me irritar. Tudo corria bem até que, em dado momento, aconteceu o previsível: ela derrubou o copo de vinho por toda a mesa e molhou tudo! Aquilo despertou em mim uma reação quase imediata, dei um tapa nela. Acho que, enfim, ela entendeu… Jantamos em silêncio. Tudo certo, imagino que ela tenha ficado triste, mas não fiz por mal. Já havia tentado de todas as formas, avisei dos perigos. Eu amo muito minha esposa e acho importante educá-la para que essas coisas não aconteçam novamente.
O parágrafo acima parece bem absurdo, né? Obviamente não passa de mera ficção. Mas, se eu substituir minha esposa pelo meu filho, essa situação soaria normal para você? Por que enxergamos todos os modos de violência como absurdos, mas naturalizamos a violência em prol da “educação”?
Não gritamos com nosso chefe quando ele nos chateia, não batemos nos nossos vizinhos quando eles não nos escutam, mas descontamos nossas frustrações e anseios nas pessoas que julgamos ser os amores de nossas vidas. Bom, não gosto de ditar regras, cada um cria o filho da maneira que acha mais adequada, mas gostaria de contribuir com algumas reflexões sobre paternidade/maternidade não violenta. Há uma confusão muito grande, sobretudo na internet, quando o assunto é educação positiva. O debate vira uma dicotomia apelidada por alguns como geração “raiz” versus geração “nutela” — tanto por pais que não se curaram de suas frustrações e descontam nos filhos, quanto por pais que querem quebrar o ciclo, mas acabam transformando o processo educativo em permissividade. Educação positiva vai além disso: é sobre aprendizado, comunicação e escuta ativa.

“Ah, mas eu apanhei e nem morri”
E a intenção era matar? (risos). Essa é a frase mais comum entre os pais que perpetuam a violência como base do processo educativo. O que muitos desses pais não percebem são os efeitos a longo prazo de uma educação baseada na violência: problemas de aceitação, ansiedade, autocobrança excessiva, autoestima baixa, dentre outros transtornos psicológicos cuja origem muitas vezes nem sabemos identificar.
“Alguns traumas são necessários para a formação de caráter”
Esses dias viralizou um vídeo de um rapaz no supermercado com sua filha. Ele estava na seção de ovos de Páscoa dizendo que, naquele ano, não iria comprar ovo para ela porque, segundo ele, “o ovo está mais caro que a picanha”. Em seguida, revelou que o coelho da Páscoa não existe, fazendo a menina cair no choro — tudo isso filmado e exposto por ele mesmo na internet. Patético. A situação por si só já era absurda, mas fui olhar os comentários e, para minha surpresa, muitos estavam elogiando a atitude do pai, validando seu comportamento. Comentários do tipo: “pai raiz”, “quando tiver um filho farei o mesmo” e “alguns traumas são necessários para a formação de caráter”. Traumas, para o bem ou para o mal, influenciam nossa formação de caráter, concordo. Não existe qualquer processo de crescimento sem traumas, mas ser um agente ativo na geração deles não acrescenta em nada — vai por mim.
Outra confusão bastante comum na internet é confundir educação positiva com educação permissiva. Limites são essenciais na educação. Respeitar e dialogar com uma criança é diferente de permitir que ela faça tudo. Aliás, criamos nossos filhos para o mundo, e no mundo lidamos com os limites de outras pessoas. A diferença está na maneira como impomos esses limites. Segundo o livro Educação não violenta, de Elisama Santos, no qual baseei grande parte dos argumentos desta coluna, gastamos a mesma energia brigando ou brincando — você escolhe como vai usá-la. Crianças, na maior parte do tempo, não entendem a importância de tomar banho, por exemplo. Eu posso sentar e explicar sobre a higiene, posso impor através do grito que ele entre no chuveiro, mas e se… de repente você o convidasse para escolher um brinquedo para dar banho? Pedisse para decidir qual toalha vai usar? Fizesse um penteado maluco de shampoo? Uma simples atividade pode ser apenas estressante ou se tornar algo divertido e, ao mesmo tempo, educativo.
Eu entendo que as condições sociais, a falta de tempo e a exaustão nos fazem trilhar o caminho mais “fácil” — que foi o caminho que aprendemos e internalizamos como educação e, em alguns casos, até como amor. Mas eu te convido a virar essa chave e quebrar o ciclo da violência. Um passo importante é entender que somos adultos que, muitas vezes, não sabemos lidar com as frustrações diárias, mas exigimos que nossas crianças tenham essa maturidade. Educar é um processo de aprendizado mútuo.