
“We’ll always have Paris”, diz Rick para Ilsa em Casablanca, com a resignação elegante de quem sabe que há amores que se eternizam justamente por não terem continuado. A frase virou clichê de filme antigo, cartão-postal de cinéfilo romântico. Mas eu a repito às vezes, baixinho, como quem reza: se sempre teremos Paris, por que tenho medo de nunca voltar lá?
Talvez porque, ao contrário do cinema, a vida não tenha trilha sonora. Porque a memória, embora poética, tem seus buracos. E porque Paris, ainda que eterna, não é imóvel.
Estive em Paris uma única vez. Esse mês completou-se um ano desse momento. Não fui a trabalho, fui após um planejamento com minha esposa. Era (e ainda é) um sonho. Andei pelas margens do Sena tentando costurar sentido entre pontes e boulangeries, entre croissants baratos e sorrisos estrangeiros. Era abril, mas juro que me lembro de um sol com gosto da minha terra, o Ceará.

Desde então, guardo Paris como quem guarda uma foto que não posta. Tenho medo de voltar e descobrir que a padaria fechou, que o chocolate chaud já não me aquece igual, que o Sena secou — ou ficou limpo. Medo de reencontrar a cidade e perceber que fui eu quem mudou. Que o encanto era menos da cidade e mais da ilusão que nela projetei (alucinação?).
É difícil visitar um lugar que virou parte da sua mitologia pessoal. Paris, para mim, é um símbolo: da liberdade de se estar com quem se ama, da solidão leve, da promessa de que tudo passa. Voltar lá seria como reler um livro que te marcou — com o risco de não sentir mais nada. E, ah, o vazio de um reencontro que não emociona…
Se sempre teremos Paris, talvez não seja no mapa. Talvez Paris more agora em uma música que toca no carro, num pain au chocolat mal feito na padaria, num lenço que comprei no Marais e que ainda tem cheiro de primavera. Talvez seja isso: a cidade real, com suas esquinas e metrôs, pode até estar longe — mas a Paris simbólica, essa ninguém me tira.
Ainda assim, o medo existe. Medo de que a vida me mantenha tão ocupado com boletos e obrigações que não sobre tempo nem para sonhar com a volta. Medo de que o passaporte vença antes do próximo embarque. Medo de que, ao pisar de novo naquele chão, eu entenda de uma vez por todas que a Paris que me salvou não está mais lá — porque ela era feita, sobretudo, de mim.
Mas talvez isso seja só mais uma camada da beleza de Paris. Como todo grande amor, ela carrega o risco da perda. E é justamente por isso que permanece. Porque é rara. Porque é frágil. Porque é, como dizem os poetas, uma cidade que mora no tempo e, ao mesmo tempo, o desafia.
Sim, talvez sempre teremos Paris. Mas não como uma promessa garantida. Teremos como quem tem uma lembrança que pulsa, uma esperança que resiste. Teremos como quem fecha os olhos e, por alguns segundos, volta a sentir o cheiro da baguete quente, o som dos passos na calçada molhada, a estranha sensação de pertencimento em terra estrangeira.
E se eu nunca voltar lá — bem, ao menos posso dizer que um dia fui. Que estive. Que amei. Que Paris me abraçou quando eu mais precisava.