Som e Silêncio

Texto de Letícia Serpa, jornalista e musicista em formação com enfoque na área de crítica musical
Música é mais qualquer coisa senão palavra / Foto: Pinterest

Quando pensei em ter uma coluna por aqui, sempre mentalizei que o foco de todas as minhas postagens seria sobre música: análises, novidades, reflexões. Mas, acredito que, para dar atenção a algo é preciso o tempo necessário em que ele não esteja presente. Para existir juízo de valor, ou determinar sua importância. E também não quer dizer que não seja sobre música.

Como está exposto em minhas informações por aqui, sou jornalista. O meu último compromisso com a faculdade de jornalismo aconteceu no mês de junho, de 2021. A realidade da profissão frustrou as minhas expectativas. Fazer jornalismo na década 20, do século 21 não é sequer minimamente parecido com o que eu cresci escutando sobre a profissão. E prometo não estar aqui para falar sobre isto, mas sobre o que o jornalismo fez por mim que eu só vim descobrir depois.

Entendo a tendência que possuo a hiperfocos: nas situações, pessoas, informações, como certa maneira de aprofundamento das sabedorias (avaliando por este viés todo mundo deveria ter jeito para a coisa – o faro – mas não é bem o caso), existe dentro dessas pessoas, minhas “concorrentes” – eu nunca concorri verdadeiramente -, a sede pela comunicação e o contato direto com gente. Eu sou um pouco arredia, o jornalismo é um inseto em mim que sou flor.

Hoje pode não parecer grande coisa levando em consideração a banalização do diagnóstico pela internet: mas eu possuo TDAH (comprovadamente).

De tal modo que existem feridas na minha comunicação que gostaria de conseguir curar. Sofro o mal das pessoas prolixas, gosto de detalhar o inútil, mas que faz sentido (para mim) ser exposto, deixado às claras, – quero fazer com que se interessem pela nuance, pela análise, pela entrelinha (sim, Clarice, não pretendo esmagá-la, mas é difícil não apontar a sua existência quando não é óbvia e quando sei que as cabeças não funcionam de igual forma) – veja, não estou tentando educar a escuta das pessoas para melhor entendimento, mas acredito que possa parecer.

O resultado da soma é sempre quase o mesmo: há uma dúvida sobre a compreensão do outro – de tal modo que termino muitas frases com a pergunta “entendeu?”. Existe uma preocupação em ser compreendida, mais que uma preocupação, na verdade, talvez um desejo ardente. Fala é súbita, pontuda, sai sem maiores reflexões, sem que antes apertemos qualquer botão, enviemos o papel, vulnerável, exposta e irremediável. Fala é som que não se entende como som e busca códigos para se sentir rebuscado.

Acalenta mesmo o coração saber que não fui mal interpretada, que obtive a total compreensão do outro – é tão raro que aconteça (porque as pessoas se distraem facilmente) que, até quando acontece, fico duvidando das capacidades (a minha de explicação e a do outro de entendimento) faço malabares para conseguir a atenção de alguém e, ao conseguir, agora a preocupação se torna o possível desinteresse futuro a partir de qualquer deslize dentro do discurso, então, a minha fala, por vezes (por muitas vezes), é ansiosa; quase como um modo de implorar: por favor, mantenha-se interessado.

Desde que entrei para a faculdade de música, ouvi de todos os lados (inclusive de dentro) a indagação sobre os anos perdidos, gastos com uma formação que eu estava pondo de escanteio. Várias foram as mentiras que contei para mim, sobre ser irresponsável, sobre abandonar um diploma.

But there is no such thing

O jornalismo reacendeu em mim a coisa mais próxima que já encontrei de fazer as pazes com as palavras: a escrita. Sim, o que estou fazendo, é, no estilo filmes sobre fazer filmes, exatamente, metalinguístico. A minha primeira formação foi a responsável pela facilidade que encontrei com as palavras, quando as vejo saindo pelas minhas mãos é como uma dança, não preciso emitir sons. Fala não é palavra, palavra mesmo, em seu sentido puro, é escrita.

Estranho pensar que a prática musical e a prática da escrita sejam o extremo oposto uma da outra, perdendo (claro) apenas para a prática de fazer nada, porque, ao levarmos em consideração que vivemos subordinados pela linguagem – e que dentro da linguagem existe a leitura e a escuta – um escritor e musicista é um faz-tudo.

Pois bem, eu decidi fazer tudo, só assim sou completa.

O que eu não sabia era como a minha primeira formação iria facilitar todo o caminho que trilhei até a segunda. Nenhum conhecimento é fadado ao fracasso, este tipo de coisa sequer existe no aprendizado. Eu e a fala nos entendemos mais que antes, mas agora tenho uma aliada que reestrutura a palavra – que agora é som e silêncio. Sim, como a música.

E sobre ela: quando palavra era mais som que objeto, música era menos qualquer outra coisa que palavra. Hoje, música, sendo som, é mais qualquer outra coisa que palavra.

Quero, então, agradecer à tinta e ao papel, o início de tudo.

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