O deslumbre da arte

Texto de Tiago Amora, cartunista e ilustrador cearense desde 1989
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Hoje, trabalho com ilustração publicitária, já um pouco desencantado ao perceber que não somos semi-deuses nem temos um dom especial” / Foto: Divulgação

Quando eu tinha uns 7 ou 8 anos (por volta de 1996), era daquelas crianças que adoravam desenhar, sempre gostei. Fui introduzido à história da arte pelas mãos do meu professor de artes da época, o Betinho. Betinho era artista plástico, poeta e muito gente boa. Ele me apresentou Salvador Dalí e explicou sobre o surrealismo, com aqueles desenhos malucos, baseados em projeções, sonhos e tudo o que a imaginação podia criar. Também conheci a obra de Pablo Picasso por meio de um livro de fotografias que ele tinha, com imagens bem excêntricas. Picasso, assim como Dalí, era um cara meio doido, sempre posando de forma lúdica nas fotos, e aquilo realmente me explodiu a cabeça. Desde então, passei a ver o artista como alguém diferenciado, quase como um ser etéreo, sei lá.

No mesmo ano, a escola onde eu estudava organizou uma excursão para o antigo museu do Ibeu, na Aldeota. Estava acontecendo lá a exposição de um artista, cujo nome infelizmente não lembro, mas ele estaria presente e, ao final do passeio, daria uma entrevista e conversaria com os alunos. Aquilo foi o ápice pra mim. Eu ia ver um artista de perto!

A professora escreveu várias perguntas, recortou e distribuiu entre os alunos. Eu fiquei com a clássica pergunta genérica: “Quais são suas influências?”. Naquela época, eu mal sabia ler, imagine então entender o significado da palavra “influência”. Chegamos ao final da exposição e o artista estava lá.

Eu tive um choque… vi de perto uma figura que aparecia nas fotografias dos livros do Betinho, aquele cara no centro da roda, de perna cruzada, olhar blasé, cabelo de lado, com uma vibe meio David Bowie. Aquilo ficou marcado na minha memória; eu estava de frente para um artista, um pintor! Fiquei arrepiado, era quase como ver Deus. Depois que meus colegas fizeram suas perguntas, eu fiz a minha, com a voz trêmula e sem saber direito o que era “influência”. Contando com a ajuda da “tia”, ela completou a pergunta, e foi aí que ele começou a citar vários pintores. Foi então que eu entendi o que significava “influência”. Dentre os nomes, estava Pablo Picasso. Eu saí de lá completamente maluco. Tinha visto um artista de perto, e aquilo mexeu muito com a minha cabeça.

Minha relação de encantamento com a arte era tanta que eu imaginava esses caras presos dentro de seus ateliers só pintando o dia todo, criando, e tirando fotos malucas. Era essa a visão de uma criança do que seria a vida de artista, e era exatamente aquilo que eu queria pra mim. Até que um dia qualquer eu estava com meu pai no banco resolvendo alguma burocracia, numa fila enorme, enfado e com muito estresse.

Eis que estico a visão mais pra frente e vejo ele, o artista que eu entrevistei na mesma fila, vivendo o mesmo estresse. E aí que eu percebi que o artista também pagava contas, tinha uma vida normal como qualquer outra. Essa foi a parte triste da história (risos).

Hoje, trabalho com ilustração publicitária, já um pouco desencantado ao perceber que não somos semi-deuses nem temos um dom especial. Pagamos contas, enfrentamos filas de banco, mas de vez em quando tento resgatar a criança que se encantou ao ver um artista de perto pela primeira vez.

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