O dia em que quase me tornei relojoeiro

Texto de Lucas Paiva, Mestre em Comunicação e jornalista com experiência em metodologia de pesquisa
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Cogitei delirantemente comprar um kit de relojoeiro, procurar antiquários, restaurar peças esquecidas, virar um Indiana Jones do tempo” / Foto: Divulgação

Tem dias que a gente acorda com uma vontade esquisita de saber algo absolutamente inútil. Não sei se é o algoritmo tentando me mandar uma mensagem secreta ou se é só minha cabeça dando voltas demais antes do café. Mas naquela terça-feira qualquer, entre um gole de café e o segundo scroll no feed, me vi tomado por uma súbita necessidade: eu precisava entender como funciona um relógio mecânico.

Não qualquer relógio. Um daqueles antigos com nomes em francês, mas que são feitos na Suíça, que fazem tic-tac como se tivessem pulmões. Que têm engrenagens que parecem saídas de uma caixinha de música. Que funcionam sem bateria, com a força misteriosa de uma mola enrolada, como se guardassem dentro deles um minúsculo segredo da física e do tempo. E lá fui eu.

Comecei com um vídeo no YouTube. Entusiasta, um sujeito suíço, com uma lupa no olho e uma pinça na mão, desmontava um relógio com a delicadeza de quem maneja uma borboleta viva. Fiquei hipnotizado. Descobri o que é o escape, o balanço, a tal da âncora — nomes que soam como tripulantes de um navio do tempo. Cada peça, do tamanho de um grão de arroz, tem uma função que depende milimetricamente da outra. Como um balé microscópico onde se perde um passo e tudo atrasa.

Depois do terceiro vídeo, eu já me sentia meio especialista. Cogitei delirantemente comprar um kit de relojoeiro, procurar antiquários, restaurar peças esquecidas, virar um Indiana Jones do tempo. Era como se abrir um relógio fosse abrir o próprio mistério do universo. Afinal, se até o tempo pode ser enrolado numa mola, talvez a vida também seja só uma questão de dar corda.

Claro que, no dia seguinte, eu já tinha pensava em ser lutador de Jiu-Jitsu, esqueci um pouco disso tudo. Mas esse é o charme das curiosidades aleatórias. Elas chegam sem bater, bagunçam a rotina, acendem uma faísca e, depois, somem como quem diz “até logo” — apesar do algoritmo do Youtube não entender isso e seguir me recomendando vídeos das minhas compulsões passadas.

Viajar nesses assuntos inúteis me devolve uma parte esquecida da infância — aquela que achava que saber o nome e as bandeiras de todos os países do mundo era uma missão urgente. E talvez ainda seja. Porque, no fundo, aprender por aprender é o ato mais puro de estar vivo. Mesmo que eu nunca conserte um relógio, pelo menos agora sei que o tempo pode caber dentro de um punhado de engrenagens. E, só por isso, já valeu a viagem.

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