A única derrota que aceitamos é para Mikey Madison

Texto de Yuri Melo, publicitário, diretor, roteirista e crítico de cinema
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A derrota para Moore seria amarga e sem sentido / Foto: Divulgação/Universal

O Brasil vive uma Copa do Mundo fora de época. A cada prêmio conquistado por Fernanda Torres, que dá vida à inabalável Eunice Paiva em “Ainda Estou Aqui”, acompanha-se uma enxurrada de memes e vídeos em que os brasileiros comemoram, gritam e torcem fervorosamente pela atriz brasileira que representa um país pouco acostumado com esse tipo de visibilidade internacional.

A indicação ao Oscar foi o jogo de semifinal. A final é no domingo, dia 2 de março, dia da 97ª cerimônia, no Teatro Dolby, em Los Angeles. Até lá, muito ainda pode acontecer, mas o que está na boca do povo e da crítica é que a disputa oficial para o prêmio de Melhor Atriz está entre duas mulheres: Fernanda Torres e Demi Moore.

Por mim, acho que tudo bem. Assisti ao thriller de ‘body horror’ de Coralie Fargeat e achei um bom filme. Demi Moore está bem. Para ser sincero, prefiro a atuação de Margaret Qualley no filme, mas, fazer o quê? Qualley sequer foi indicada na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante. Bola pra frente; vamos deixar essa passar. Demi Moore é uma atriz veterana que nunca foi indicada a prêmios importantes até essa temporada. Ela merece estar no páreo extraoficial.

Era o que eu pensava. Até assistir Anora.

A comédia dramática dirigida por Sean Baker começou a fazer alarde em maio do ano passado, quando ganhou o prêmio mais importante do Festival de Cannes: a Palma de Ouro. Desde então, muito se falou sobre os temas do filme, seu ritmo frenético, os momentos de humor inesperados e ao mesmo tempo angustiantes, mas, principalmente, sobre a atuação da jovem Mikey Madison, que dá vida à personagem-título do filme.

No filme, indicado a 6 Oscars, Mikey interpreta Anora, uma stripper/garota de programa nova-iorquina que conhece um russo cheio da grana durante uma noite de trabalho. Jovens e ingênuos, os dois parecem se apaixonar um pelo outro por motivos bem diferentes. Dinheiro vai, sexo vem – “o amor mesmo fica aonde?” – e os dois se casam de papel passado após uma semana inteira de farra, em Las Vegas.

E a partir do momento que o conto de fadas parece se concretizar, ele já começa também a desmoronar. Anora não é boba. Ela já imaginava que a família de um bilionário russo provavelmente não iria aceitar seu casamento com uma “garota da noite” de bom grado. Mas com certeza ela não esperava o que de fato começou a se desenrolar.

Mas vamos com calma, para não entregar um filme que definitivamente merece ser visto na tela grande. O que posso dizer é que a maneira com que Mikey regra a energia em tela e molda sua personagem através dos aspectos mais minuciosos, desde o sotaque nova-iorquino impecável até a maneira estridente com que masca chiclete, é impressionante.

Mikey conversou com strippers, frequentou boates noturnas, recebeu danças privadas, aprendeu as gírias do meio, e aprendeu a fazer pole dancing com perfeição – algo que exige um esforço físico tremendo. O trabalho de pesquisa se prolongou por meses antes do começo das gravações. Quando o filme começou a ser rodado, no começo de 2023, a atriz tinha apenas 23 anos, o que torna o que ela realiza aqui ainda impressionante.

Anora é o nome da protagonista, mas “Ani” é como ela gosta de ser chamada. Ani é a profissional, a que faz transações ao invés de sexo, a que tem plena noção de que seu corpo é sua ferramenta de trabalho por ser objeto de desejo masculino (e vice-versa). Aos poucos, junto às suas expectativas do que seria um casamento dos sonhos, sua idealização de si própria também começa a desmoronar – e é aí que Mikey brilha de fato.

O filme transita pela comédia, pelo drama e pelo absurdo entre os dois de um jeito que apenas Sean Baker – e talvez os irmãos Safdie – conseguiriam fazer no cinema norte-americano contemporâneo. O papel de Mikey é intensificar tudo isso, seja através do seu comportamento agressivo (ou, muitas vezes, defensivo) ou das reações às peripécias implementadas pelos capangas contratados pela família do seu esposo russo.

A cena final, em que Anora parece ter sido despida de tudo, desde suas expectativas de uma vida independente de gorjetas noturnas até de sua persona profissional “Ani”, é quando o filme realmente diz ao que veio – junto com Mikey. Anora, que parecia conduzir todas suas emoções, por mais negativas ou positivas que fossem, de maneira contida, parece finalmente abrir mão do que estava realmente buscando o tempo inteiro: o poder sobre sua situação.

Um trabalho impressionante de uma jovem atriz que ainda tem muito a mostrar. Como fã do cinema de Sean Baker, fico feliz que tenha achado uma artista que tenha entendido seu material e sua linguagem de maneira tão íntima e pulsante. Anora é um dos grandes filmes americanos da década.

Caso Fernanda não ganhe o prêmio no dia 2 de março, como todo bom brasileiro, vou ficar triste, vou reclamar, vou chorar. Vou pensar em Fernanda Montenegro passando pelo mesmo em 1999; e pior ainda, para uma Gwyneth Paltrow apática.

Mas antes perder a partida para um time que mereceu tanto quanto você do que passar o jogo inteiro atacando e perder por um gol de sorte do adversário nos acréscimos. A derrota para Moore seria amarga e sem sentido. Se for para o Brasil perder, que seja para Mikey Madison.

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