Como Fotografar um Fantasma e o silêncio que engole o cinema de Charlie Kaufman

Mais do que uma reflexão sobre sonhos, o filme acaba preso em seu próprio pesadelo cinematográfico
Compartilhar
O filme foi exibido na primeira semana de Mostra / Foto: Divulgação

Charlie Kaufman encantou o público da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com seu carisma e humor autodepreciativo, demonstrando a mesma ironia existencial que marca suas obras. No entanto, nem mesmo seu talento como contador de histórias e sua presença magnética foram suficientes para salvar a sessão de Como Fotografar um Fantasma, seu novo curtametragem, do marasmo.

Durante sua passagem pela Mostra, o diretor e roteirista vencedor do Oscar recebeu o Prêmio Leon Cakoff, ministrou uma masterclass sobre seu processo criativo e compartilhou reflexões sobre sua relação conturbada com Hollywood. Ao final, apresentou o curta e, em seguida, celebrou os dez anos de Anomalisa, lembrando ao público por que seu cinema já ocupou um espaço tão singular na mente de espectadores e críticos.

Responsável pelo aclamado roteiro de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2003), Kaufman volta a explorar os labirintos da mente e os limites da percepção. Em Como Fotografar um Fantasma, porém, o mergulho é mais ruidoso do que revelador, já que se constrói como uma colagem caótica, oscilando entre a força poética e a confusão narrativa.

Há uma beleza evidente nas imagens sombrias, nos devaneios que evocam pesadelos e memórias quebradas, compondo algo que se aproxima de uma poesia visual feita de angústia e melancolia. Ainda assim, a montagem dispersa rompe a imersão. Quando uma lógica começa a emergir, o filme termina abruptamente, deixando a sensação de que o pensamento ficou suspenso no ar e a experiência emocional se desfaz antes de se consolidar.

Ouvi-lo falar sobre o processo criativo foi, paradoxalmente, mais envolvente do que assistir ao próprio curta. Talvez Kaufman buscasse exatamente essa provocação, um filme que só se completa na reflexão posterior, mas o resultado parece mais um gesto inacabado do que uma experiência transformadora.

A narrativa costura lembranças, arquivos e fragmentos de guerras, acompanhando dois fantasmas que tentam se reconectar com um mundo que já não os vê: uma fotógrafa vivida por Jessie Buckley e um tradutor interpretado pelo libanês Josef Akiki. Entre imagens e palavras, eles buscam traduzir o indizível, refletindo o próprio dilema do filme, que é o esforço de dar forma ao invisível.

Por fim, em Como Fotografar um Fantasma, Kaufman encara o abismo da criação e tenta capturar o instante em que a inspiração se dissolve no ruído. O problema é que, desta vez, o silêncio fala mais alto que o cinema.

Filme visto na cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Acompanhe o Veredas e fique por dentro de tudo!

ASSUNTOS

Publicidade

Mais lidas

Publicidade