Conheça o meu pior e me ame mesmo assim

Texto de Yuri Melo, publicitário, diretor, roteirista e crítico de cinema
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“Nada é brutal, sujo, ou ofensivo demais. Não para nós dois. Afinal, nós existimos apenas em nosso universo, que somente a nós pertence. E de quem mais a opinião importa, se não a daqueles que dessa loucura participam?” / Foto: Divulgação

Aquilo que funciona para esses dois, não é o mesmo que funciona praqueles outros dois. O que é saudável para um, pode matar o outro. E o que mantém dois em equilíbrio, não seria o mesmo necessário para fazer apenas um deles sobreviver. 

As dinâmicas de poder inerentes a qualquer relacionamento longevo sempre me fascinaram, muito porque sempre costumei observá-las de longe, como numa espécie de voyeurismo involuntário. É engraçado porque, se o casal que estiver observando habitar o mundo real, nada resta pra você além da conjectura, uma vez que são poucos aqueles que vão deixar você dar uma olhada pela brecha de uma intimidade que levou tanto tempo pra construir. Seria praticamente uma invasão domiciliar. 

“Ah, mas meus pais estão juntos até hoje, e muito felizes”. Que bom. Mas você realmente acha que está a par de pelo menos um quarto das especificidades envolvidas na dinâmica de casal dos… seus pais? Aquelas pessoas que, geralmente, querem que você as utilize de modelo e, consequentemente, preferem se demonstrar o menos vulneráveis possível?

Me parece que, hoje em dia, as pessoas estão obcecadas, mais do que nunca, em serem saudáveis. Em serem exatas, precisas. O objetivo parece ser chegar a uma espécie de plenitude inalcançável e, de preferência, chegar lá sem ofender ou escandalizar ninguém. Alcançar isso sozinho é impossível – e como um casal, naturalmente, também é.

Na minha conjectura, o universo criado entre duas pessoas que passaram mais tempo nesta terra convivendo juntas do que longe uma da outra – ou pelo menos, que se sentem em tal estrutura por motivos metafísicos – deve ser como uma espécie de idioma extraterrestre. As palavras deixam de significar o que objetivamente significam; os gestos também. Os silêncios são interpretados pela duração e pela intensidade. E o afeto provavelmente é expressado das maneiras mais absurdas e ofensivas. 

Imagino que não seja tarefa fácil preencher ou complementar a loucura de outra pessoa sem antes acionar todos os sinais de alerta que naturalmente impedem que você o faça. A gradual exposição–em diversas camadas–inerente a um relacionamento, costuma ditar o ritmo de tudo: do começo, da existência, e do fim. A maneira mais simples de falar isso talvez seja dizer que: quanto mais cedo o par souber dos seus podres, melhor. 

Não todos, claro. Isso seria trabalhoso demais. Talvez impossível. Mas imagino que não exista uma espécie de compatibilidade duradoura a não ser que seus podres se complementem tão bem quanto suas qualidades. Penso que seja impossível existir aquele tipo de estabilidade que muitas vezes crê-se ser utópica sem ser capaz de se desapaixonar pela pessoa com a mesma intensidade que você está disposto a se apaixonar por ela de novo. 

Nada é brutal, sujo, ou ofensivo demais. Não para nós dois. Afinal, nós existimos apenas em nosso universo, que somente a nós pertence. E de quem mais a opinião importa, se não a daqueles que dessa loucura participam? 

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