
É empolgante conferir A Garota Canhota como o primeiro trabalho solo de direção de Shih-Ching Tsou, colaboradora de longa data de Sean Baker, tendo produzido filmes como Projeto Flórida e Red Rocket, além de co-dirigir com ele Take Out em 2004. O filme, aplaudido em Cannes e na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, carrega traços do estilo de Baker, mas revela uma identidade própria, fresca e promissora.
Não por acaso, Baker, ganhador do Oscar por Anora, atua como produtor, montador e roteirista do longa, contribuindo para essa combinação de familiaridade e inovação. Tsou imprime sua voz singular, mas não abandona as pequenas transgressões cotidianas e o humor ácido que marcaram a filmografia de colaborador.
A história acompanha uma mulher que retorna a Taipei, enquanto sua filha mais velha consegue um emprego muito aquém das expectativas da família. Consequentemente, a mãe e a filha mais nova passam as noites vendendo ramen em um mercado noturno, tentando encontrar uma oportunidade para melhorar de vida.

Visualmente, o filme é impossível de ser ignorado. É colorido, natural e espontâneo, especialmente nas piadas, que surgem de forma orgânica. Mais para o final, o drama perde um pouco da intensidade, diluindo-se no mesmo humor que permeou o início, mas até lá é um prazer observar o elenco: as atrizes parecem não atuar, apenas viver. A identificação com elas é imediata, e o cotidiano de uma classe média baixa é explorado com empatia e sutileza pela cineasta.
O contraste entre cores e cenários, por exemplo, é um recurso marcante: fora do apartamento, Taipei é vibrante e caótica; dentro de casa, o lar é sombrio, melancólico e imprevisível. Essa dicotomia reforça a sensação de isolamento das três gerações, que improvisam para sobreviver e manter a dignidade.
Por fim, A Garota Canhota é eficaz ao tratar do abandono e da precariedade afetiva, funcionando tanto como comédia de erros quanto como estudo elegante e sensível de personagens. Tsou cumpre sua proposta com precisão: pouco prometeu, muito entregou. Com ou sem a tutoria de Sean Baker, é uma diretora para se acompanhar — e que seus próximos trabalhos cheguem em breve.
Filme visto na cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo