Mr. Scorsese: quando gênios vão à terapia

O material, dividido em cinco capítulos, foi reunido e transformado em um filme exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
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A série completa está disponível na Apple TV+ / Foto: Apple TV

Há algo de fascinante em acompanhar cineastas que continuam criando depois de tantas décadas de carreira, especialmente quando ainda conseguem surpreender plateias ao redor do mundo. Martin Scorsese é um desses raros artistas. Ao longo do tempo, transitou com naturalidade entre máfia, horror, drama religioso, ação, noir, comédia e fantasia, revelando uma versatilidade que poucos alcançam. Reinventa-se a cada obra, entregando filmes intensos, imprevisíveis e profundamente pessoais. Sua trajetória, marcada por momentos de brilho e de crise, é uma verdadeira lição de resistência dentro da indústria cinematográfica.

Com essa bagagem, a diretora Rebecca Miller foi convidada a retratar o cineasta em um projeto que, a princípio, teria apenas duas horas de duração. O material, no entanto, cresceu até se transformar em uma série com cinco episódios e quase cinco horas no total, disponível na Apple TV+. Antes da estreia, a produção foi exibida na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo como um único filme, com uma breve pausa de quinze minutos após três horas de projeção.

A série reúne imagens de bastidores e informações já conhecidas de biografias, mas se destaca por organizar esse conteúdo de forma cronológica e sensível. O resultado é um retrato que alterna relatos do próprio Scorsese com depoimentos de amigos e familiares. Os primeiros episódios são especialmente envolventes, mostrando o início da carreira, as tentativas de encontrar uma voz própria e as quedas que moldaram sua persistência. É comovente vê-lo revisitar o passado com sinceridade, reconhecendo erros e fraquezas sem disfarces. Ele fala sobre os períodos sombrios, as ameaças durante Taxi Driver, o envolvimento com drogas e os desentendimentos nas filmagens de Cassino, com uma franqueza rara.

Em alguns momentos, a narrativa perde força pela repetição de temas. As crises pessoais surgem sob a mesma perspectiva e acabam diminuindo o impacto de certos trechos. A tentativa de associar a parceria com Leonardo DiCaprio a um renascimento artístico soa um pouco forçada, mesmo com a presença constante de Robert De Niro como referência. A passagem por Os Infiltrados emociona, mas é breve diante da grandiosidade de sua obra.

Nos episódios finais, a pressa se torna perceptível. Os anos recentes recebem menos atenção, especialmente a relação com a esposa, Helen Morris, que enfrenta o mal de Parkinson. O foco excessivo nos momentos difíceis deixa de lado reflexões e registros que poderiam enriquecer o retrato. É impossível não imaginar o acervo de imagens que Francesca Scorsese, sua filha mais nova, deve guardar, e que talvez pudesse revelar novas camadas do artista.

Mesmo com esses desequilíbrios, Rebecca Miller constrói um retrato afetuoso e poderoso de um criador que ainda inspira gerações. Scorsese surge como um homem lúcido, consciente do próprio legado, mas ainda movido pela mesma paixão que o levou ao cinema. O resultado é uma homenagem sincera, envolvente e merecida a um dos maiores nomes da sétima arte. Vale conferir.

Filme visto na cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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