O punk não morreu… ele virou pai

Texto de Tiago Amora, cartunista e ilustrador cearense desde 1989
Compartilhar
Pode soar assustador para alguns pais e mães falar sobre dar autonomia aos filhos, mas vale a pena. Permitam-se. Estimulem. Dialoguem / Foto: Tiago Amora

O Movimento Punk surgiu no final dos anos 1970, na Inglaterra, impulsionado por uma juventude marcada pela falta de perspectivas, crises econômicas, niilismo e uma profunda revolta. Foi um grito de resistência ao sistema — uma manifestação contracultural, musical e filosófica que impactou gerações. Com músicas cruas, geralmente baseadas em três acordes, o punk era um soco no estômago, um cuspe na cara da ordem estabelecida, contrapondo-se ao caminho mais elaborado e comercial que o rock vinha trilhando.

No Brasil, o punk chegou por volta dos anos 1980, simultaneamente em Brasília e São Paulo. Bandas como Aborto Elétrico, Plebe Rude, Ratos de Porão e Replicantes foram pioneiras em traduzir essa energia contestadora para a realidade brasileira.

Cruzei com o punk por volta de 2005, ainda na escola. Sempre fui o aluno do fundão — não por desinteresse, mas por timidez. Fazia parte do grupo dos excluídos, os “estranhos” da sala. Foi nesse contexto que conheci o Ravi (vou preservar seu sobrenome e identidade), um verdadeiro punk anarquista: moicano alto, calça rasgada, postura desafiadora e fama de encrenqueiro.

Foi através dele que conheci a banda que virou minha vida do avesso: os Ramones. Eles encarnavam exatamente o arquétipo com o qual eu me identificava na época — eram esquisitos, outsiders, mas cheios de atitude. Jaquetas de couro, calças rasgadas e um som direto, cru e veloz. Aquilo me atingiu em cheio.

A partir daquele momento, mergulhei de cabeça na cultura punk. Mudei meu jeito de andar, de falar, de me vestir. Tive uma banda, produzi fanzines e deixei de ser o gordinho tímido da sala para me tornar parte da cena underground. Mais do que um estilo, o punk, enquanto filosofia, me ensinou a pensar por conta própria, a cultivar o senso crítico e a enfrentar as estruturas estabelecidas. Foi a maneira que encontrei de dar vazão à inquietude da adolescência — como um grito engasgado que, enfim, ganhou voz.

Hoje, aquele adolescente punk cresceu, virou pai e agora lida com os paradoxos da vida adulta. Mas continuo levando comigo a filosofia do movimento, que serve de base para a forma como educo meu filho. Aprendi com o punk algumas lições valiosas que faço questão de transmitir: a cultura do DIY (do it yourself – faça você mesmo), por exemplo. Não tem videogame? A gente inventa o nosso. Faltou aquele brinquedo? Improvisamos — construímos robôs de papelão, de tampinhas, do que tiver à mão.

Também cultivo a ideia da autonomia: incentivar meu filho a tomar decisões e entender as consequências delas. A autogestão como prática cotidiana — saber lidar com as próprias escolhas — e, claro, uma pitada de anarquismo, porque toda autoridade pode (e deve) ser questionada, inclusive a minha.

Acima de tudo, acredito na liberdade. Pode soar assustador para alguns pais e mães falar sobre dar autonomia aos filhos, mas vale a pena. Permitam-se. Estimulem. Dialoguem. A paternidade punk é sobre crescer, aprender e caminhar lado a lado. Ser pai também é atitude — é puro rock’n’roll.

Acompanhe o Veredas nas redes sociais e fique por dentro de tudo!

ASSUNTOS

Publicidade

Mais lidas

Publicidade