
Certos momentos da vida parecem nos atingir de uma forma específica, eles acontecem esporadicamente e são em sua maioria momentâneos, nos tocando em um lugar especial ou muito sensível e por isso, por vezes, aposto que você, caro leitor, já quis poder experimentar aqueles instantes só mais uma vez, só para matar essa saudade insana que te aperta o peito.
Outras vezes, as lembranças nos atormentam, desejamos profundamente poder voltar no tempo e fazer tudo diferente ou, às vezes, modificar apenas uma fala, um gesto, um desejo. Por vergonha, por decepção de ter falhado ou simplesmente pelo “e se”. E se tivesse sido diferente? E se o que você achou que era certo antes, hoje se tornou um erro? E se o que é certo hoje, antes não te fazia sentido?
Em Right Now, Wrong Then (2015), Hong Sang-soo brinca com a capacidade que o cinema tem em nos conceder uma segunda chance, uma segunda vida ou outras perspectivas de uma mesma ação, aliando com a capacidade que o dispositivo tem em nos fazer acreditar em coisas que não aconteceram de verdade.

O filme se estrutura em duas partes, sendo a primeira introduzida por uma cartela que, em tradução livre, diz: “Certo antes, errado agora” – uma frase que já antecipa um clima de fracasso iminente, como se o desfecho trágico estivesse selado desde o princípio.
Nesta primeira metade, o longa adota um tom documental, evocando uma emulação da realidade. A câmera é livre de artifícios estéticos evidentes, posicionando-se deliberadamente crua e distante, evitando enquadramentos que sugerem uma mise-en-scène planejada. Há uma certa aproximação com a linguagem de televisão, como um reality show, acompanhando o diretor Ham Chun-su, vivido por Jung Jae-young, em sua trajetória aparentemente casual – mas inevitável – até o encontro com Yoon Hae-jeong, interpretada por Kim Min-hee.
O realismo despretensioso desse primeiro momento, a emulação da vida através do cinema, nos passa a sensação de que estamos assistindo ao que “realmente aconteceu” no primeiro encontro daqueles personagens. Fica evidente que o diretor é retratado como um homem mulherengo e boêmio, que sofre com a divisão do prazer de suas conquistas e o peso de sua identidade como artista.
Suas respostas vagas revelam um desejo de corresponder às expectativas alheias, encarnando, assim, uma crítica ao comportamento romântico performático típico de muitos homens que se colocam sob o rótulo de “artistas”. Por sua vez, Yoon Hae-jeong é retratada como uma mulher triste e solitária, emocionalmente fragilizada que enfrenta um conflito de identidade e busca na pintura e na bebida válvulas de escape.
O encontro dos dois é desconfortável e apesar do mútuo interesse que possuem um pelo outro, as investidas do diretor falham e a pintora imerge em uma súbita tristeza ao se sentir cada vez mais enganada por ele. No fim, ficamos com um cineasta frustrado com o ego ferido.
Já no segundo momento, introduzido pela cartela “certo agora, errado antes”, o filme se dedica a um experimento dramatúrgico das pequenas mudanças. O que acontece quando um personagem é mais sincero? Quando ele se permite o desconforto da verdade em vez do conforto da pose?
Se, na primeira parte, o filme preserva uma simulação da realidade promovida pelo dispositivo cinematográfico — em contraste com o personagem do diretor, cuja postura é marcada por uma encenação trágica de alguém tentando impressionar —, na segunda, ele abandona essa pretensão e se assume plenamente como cinema.
Os planos tornam-se mais conscientes de sua própria construção, mais compostos e o personagem do diretor se apresenta em uma versão mais honesta, vulnerável e, por isso, mais dolorosa. A mise-en-scène se refina à medida que os gestos se tornam mais verdadeiros. É como se o dispositivo cinematográfico, ao abandonar a ilusão de realidade, ganhasse justamente a possibilidade de tocar em algo mais autêntico. O filme encontra, paradoxalmente, um caminho mais sincero para seus personagens. O cinema, aqui, não está interessado em imitar a vida, ele lhe permite uma segunda chance através da arte.
Embora muitos leiam a segunda versão como uma idealização da primeira, não creio que seja esse o ponto. A proposta não é apresentar um “modo certo” de viver aquele encontro, tampouco corrigir a narrativa anterior, mas sim buscar uma reconciliação com o erro. Trata-se de explorar a experiência pelo viés do cinema e da potência da sinceridade, em contraste com a performance social.
Os personagens continuam fadados a um desfecho trágico — o romance não se realiza —, mas há algo de mais sereno nessa nova tentativa. Como se, desta vez, eles fossem capazes de se entregar à experiência e, ao final, permitirem-se seguir. As marcas deixadas por esse breve encontro já não pesam como cicatrizes, mas ressoam como uma memória transformadora.
Talvez esteja aí a força maior de Right Now, Wrong Then: a convicção de que nada se repete exatamente do mesmo modo — e de que o cinema tem a capacidade de redimir até o fracasso.