Sessão Flashback: Rush não é sobre Fórmula 1

Filme de 2013 segue ignorado no imaginário popular
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Dirigido por Ron Howard, o filme retrata duas masculinidades frágeis que, em busca da validação mútua, acabam se enfrentando em uma rivalidade intensa / Foto: Divulgação

Ontem, quinta-feira, 17 de abril, revi Rush – No Limite da Emoção (e ainda me pergunto se esse subtítulo era mesmo necessário). A sessão me fez refletir não só sobre como a Fórmula 1 atual é subestimada — talvez pela ausência de figuras lendárias como Ayrton Senna —, mas também sobre como o cinema esportivo continua sendo, injustamente, deixado de lado.

Há uma longa lista de filmes que abordam a Fórmula 1 e seus grandes nomes, e Rush certamente figura entre os mais intensos. É uma obra que pulsa na tela: repleta de energia, atuações inspiradas e um senso de escala que une montagem, trilha e efeitos com precisão quase cirúrgica. Ainda assim, não foi o suficiente para atingir o grande público e prêmios.

Dirigido pelo burocrático — e aqui surpreendentemente inspirado — Ron Howard, talvez em seu melhor trabalho, Rush narra em ritmo ágil a rivalidade entre Niki Lauda e James Hunt. A disputa transcende a busca pelo título: trata-se de um embate pessoal, quando vencer o outro passa a importar mais do que o próprio campeonato. Esse jogo de gato e rato, paradoxalmente, rende momentos intensos de humor.

Chris Hemsworth, com uma comicidade magnética, vive James Hunt com uma entrega apaixonada. Carismático, impulsivo, mulherengo e autodestrutivo, ele conquista não só mulheres e patrocinadores, mas o público — não por seus méritos esportivos, mas pela persona identificável que o ator constrói com domínio.

Já Daniel Brühl, em talvez a melhor performance de sua carreira, oferece um Niki Lauda complexo, disciplinado ao extremo e cego aos próprios defeitos, obcecado em corrigir os erros alheios — um traço que o distancia das pessoas, inclusive de quem mais ama. Entre as imperfeições do herói, chama atenção — de forma quase cômica e soturna — como sua felicidade pós-casamento dura apenas alguns minutos. Em um gesto de fragilidade, ele se esconde para chorar, tomado pelo medo de agora ter algo a perder. A cena se encaixa perfeitamente com a escolha de encerrar o diálogo do casal sem uma conversa clara sobre o futuro: havia muito a ser dito, mas, nesse caso, o silêncio fala mais alto.

É nesse ponto que mora o verdadeiro coração do filme. Lauda, incapaz de transformar a si mesmo, tenta moldar os outros — o pai, a companheira, os adversários. Por trás de sua rigidez, porém, esconde-se uma admiração contida por Hunt, que por vezes beira um ciúme quase afetivo. Isso fica evidente quando Lauda parece desfrutar de um certo prazer, sem motivo aparente, ao anunciar o fracasso do casamento do rival. E há um charme particular nas provocações do roteiro — piadas sexuais que, sob o pretexto de afirmar masculinidade, revelam justamente o quão frágil ela é.

No meio disso, ao perceber que seu oponente chegou onde chegou sem apoio algum, Lauda, o personagem e homem da vida real, talvez tenha pensado: “Se ele conseguiu, por que eu não?”. E nesse paradoxo, o piloto enxerga no outro não só o talento, mas também o afeto do qual sempre foi privado. É um roteiro cheio de camadas que faz com que o espectador, com atenção, entenda que o problema de um é a cura do outro.

Para melhorar a experiência, ainda temos a trilha sonora de Hans Zimmer — um compositor muitas vezes superestimado por seus trabalhos mais populares — que entrega aqui uma de suas criações mais inspiradas: melancólica e eletrizante na medida certa. Vibramos pelo campeonato como se fosse desse período em que vivemos. Importante destacar que tudo ocorreu em 1796, há quase 50 anos.

Já o diretor, felizmente, abandona sua tendência à superexposição e aposta nas sutilezas. Ao colocar o público dentro do capacete dos pilotos, somos levados a sentir a tensão visceral das corridas. As tomadas amplas contrastam com os closes sufocantes e criam uma atmosfera de imprevisibilidade — nunca sabemos quando o pior pode acontecer. Consequentemente, a construção do suspense é eficaz justamente por evitar o óbvio. O acidente de Lauda, por exemplo, é impactante porque não é anunciado, não é dramatizado em excesso, mas tratado com a crueza que exige.

Rush é, no fim das contas, um filme sobre dois homens. Escolhe o protagonismo dividido, alternando pontos de vista e construindo narrativas paralelas. Não há mocinhos ou vilões, apenas personalidades distintas, unidas pela mesma obsessão: desafiar a morte em nome de um troféu — ou, talvez, de si mesmos. Se a Fórmula 1 atual já não entrega esse tipo de épico, o cinema ainda pode. E Rush o faz com carisma, tensão e intensidade de sobra.

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