Os antídotos do esquecimento

Texto de Letícia Serpa, jornalista e musicista em formação com enfoque na área de crítica musical
Atravessa oceanos, mas chega
“Forgotten Music” por 7 Designs em Pinterest / Foto: Reprodução

Dizem que 2025 começou, mas todo mundo sabe que, no Brasil, o carnaval é o nosso réveillon. As metas para o ano que está por vir iniciaram-se com uma protelada já há algum tempo: Organizar os meus álbuns de fotografia (que são muitos).

Várias fotos estavam/estão fora de ordem e a ideia é deixar tudo cronologicamente definido. Não sei muito bem dizer o porquê, acho que para ter a noção de que está certo, ou para saber detalhadamente a sucessão dos acontecimentos, onde e quando foi que eu fiz o quê, talvez por isto.

Algo que descobri explorando o meu passado palpável foi que os meus pais viviam com uma câmera fotográfica na mão, o mês de agosto de 1998, por exemplo, guarda fotos de todos os dias do dia 1 ao 12, uma pausa, e todos os dias do dia 17 ao 31 (pensei que a vida útil das pilhas da velha Canon poderiam ter chegado ao fim e demorou-se o período de cinco dias para trocá-las; mas é tudo hipótese).

Os meus avós paternos guardam vários outros álbuns, com retratos mais antigos, memórias mais remotas, por consequência – a fotografia como o antídoto do esquecimento.

Uma vez, em algum almoço de domingo, abri os armários pouco invadidos do apartamento do edifício Flamengo e fui mergulhando no século passado. Em meio às fotos de muitas viagens, algumas eram mais simbólicas: Manhãs cotidianas, conversas, alguém falando ao telefone e tentando impedir a captura, mesas de comida, gente de boca cheia, sorrisos tímidos e expressões de surpresa.

Somando as vezes que dediquei o meu tempo a cavar memórias, notei que poucos, contudo, são os vídeos feitos daquele período; Existem alguns, mas em uma minoria muito pequena. Acho que não se sentiam confortáveis com a filmadora os meus parentes, ou talvez é provável que só houvesse uma pessoa apta a manuseá-la e não estava sempre disponível.

As fotografias, sim, estão em grande maioria, de tal modo que, por serem estritamente visuais, fomentaram em mim a conjectura do som das minhas lembranças.

Meu Mundo e Nada Mais – Guilherme Arantes acompanhava as imagens que retratam os meus meses iniciais de vida, quando pés e mãos não tinham qualquer diferença; Já a minha primeira viagem de avião, à Brasília, em 2003, é entoada por Io que Amo Solo Te, de Sergio Endrigo; As tardes de sol em praias diversas, o que era tão necessário quanto colo e carinho: Pisar na areia (nasci sem cava nos pés), eram revisitadas com Seabird – Alessi Brothers no pensamento; Todas as vezes que pessoas aparentavam felizes por minha causa, Soulful Strut – Young-Holt Unlimited passeava pela mente e expressava sua presença nas sobrancelhas; Algumas fotos doces: Abraços apertados e beijos felizes apareciam e eu ouvia os sintetizadores de Where’d All the Time Go? – Dr. Dog surgindo; Todas as vezes que as fotos tinham requinte, roupas chiques para casamentos ou eventos importantes, Beyond the Sea – Robbie Williams fazia os meus ombros quererem dançar.

As fotos que analiso, com a bagagem que carrego hoje, tem as músicas da minha vida como plano de fundo. E tudo conversa. Por mais que não falem a mesma língua ou entendam-se em cadência, existe uma sintonia em narrativa, na mudança de cores do som.

Sim, som tem cor, cheiro também. Algo que a faculdade de música ensina fora das salas de aula: É tudo sinestésico. Eu posso cantar o meu amor, o meu lar ou o cheiro de café. De forma alguma sinto obrigação de encaixar música e cenário ou encontrar o instrumento que se costure à história e à imagem, tudo flui e vem tão naturalmente que só percebo a minha ação de musicalizar as lembranças ao chegar no álbum do ano de 2003.

Acho que a distração é o elo perfeito entre o “eu” interior e o “eu” que decido mostrar. A música é consequência. Se não estivesse tão distraída, calcularia demais; A arte, em seu movimento anti-natural, não viria até mim, e eu faria esforço para ir à sua procura.
Em fotografias, sonhos, textos, olhares, risos, beijos, abraços, é uma certeza que a música encontre o caminho certo para chegar.

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