Eu não sei o que passou na sua cabeça ao ler esse título. Não sei se trabalho te lembra algo bom, algo ruim, ou se é a palavra “espetáculo” que te causa estranheza. Eu estou acostumada a ver as duas coisas bem associadas. Seria pelo trabalho da minha mãe como apresentadora de TV? Ou por causa do grupo de teatro no qual ela participava? Foi o fato de ter crescido vendo meu irmão, aos 13 anos, trabalhar tocando violino em casamentos? Eu só sei que as duas palavras, há muito tempo, se entrelaçam na minha vida. Eu sou professora de formação, ou seja, meu espetáculo é dar aulas, entre alunos que talvez não saibam os bastidores do que faço. Não acho, sinceramente, que tenha um outro espetáculo mais bonito do que a docência. Eu também sou artista, e esse outro trabalho exige que eu me exponha, que eu transforme aquele sentimento, aquele lá, que só quem é artista sente, em performance nas vitrines das redes sociais.
Mas agora, em mais um ofício meu, dessa vez, como coordenadora de eventos, vejo um outro lado: aquele onde o tempo do trabalho engole qualquer chance de cegar com a luz de um holofote. Se eu pudesse definir o que faço hoje, diria que sou ponte entre mundos que se cruzam, mas não se tocam. Sou o intervalo entre o ar quente da fritura e o brinde gelado de uma taça cheia. Dos que celebram e dos que não têm tempo de aproveitar os processos criativos, as festas, os aniversários… os velórios.
O espetáculo acontece, mas não para todos. O trabalho não tem tempo para ele. Penso na música “Santé”, de Stromae. “E se celebrássemos quem não celebra?” Porque a verdade é essa: o tempo de quem trabalha não é o mesmo de quem aproveita. Os processos criativos são apressados, isso quando eles têm a sorte de serem iniciados. As festas são vistas de longe, por uma porta entreaberta. O réveillon é marcado não pelo estouro do champanhe, mas pelo alarme da próxima tarefa, e isso faz com que raramente haja um ano realmente novo.
Nesse ponto aqui, já deu para você lembrar de pelo menos uma voz que, com sua versão importada de Positividade Cruel Plus Adventure, insiste que “todos têm as mesmas 24 horas.” E o custo dessa afirmação não é tão facilmente calculado, como se fosse a versão final de uma lista de convidados na portaria. É que o valor do aluguel de alguns salões de festas por aí equivalem a cinco anos de trabalho de quem faz qualquer evento acontecer. E para nós, brasileiros, que amamos uma festinha, vale reparar: os holofotes pouco olham para trás e iluminam aqueles que sustentam a estrutura. Talvez essa seja a maior ironia do trabalho: ele suga tanto o tempo que não sobra quase nada para viver. Apaga os instantes antes que se tornem memórias e mata os dias antes que eles nasçam.
“Então, sem medo que estejam olhando, que este texto seja um brinde”. Aos que proporcionam momentos inesquecíveis enquanto os seus próprios diluem no cansaço. Àqueles que fazem a festa acontecer, mas nunca dançam. Aos que enchem taças sem nunca provar o sabor da celebração. Aos que conhecem o sal do peixe e do suor. E a esse palco em que, agora, dançarão as minhas palavras.
Santé!