
“Nordeste Independente” (1984) já cantava a utopia de um país com bandeira cearense, jangadeiro no Senado e cantador de viola presidente. A composição toma gás na vontade de “tornar direito” e “começar uma vida diferente” a partir da separação da região do resto do Brasil. Se Bráulio Tavares e Ivanildo Vilanova tivessem escrito o roteiro de um filme, seria algo como “Glória & Liberdade” (2025).
Dirigida por Letícia Simões e co-produzida por Maurício Macêdo, a animação é uma viagem por um imaginário “continente Brasil”, ambientado em 2050 e formado por quatro países do que um dia foi a região nordestina: Taua Sikusaua Kato, Caxias, Reino Unido de Pernambuco e República da Bahia. Respectivamente, originados das revoltas de independência Cabanagem (1840), Balaiada (1841), Praieira (1850) e Sabinada (1838).
A harmonia entre musicalidade, sonoplastia e modernidade convida o espectador a embarcar junto com Azul (Larissa Góes) na jornada de reimaginar a antiga colônia portuguesa por olhares diferentes daquele dos livros didáticos, restritos a contar a perspectiva dos ditos vencedores, ou, Juruás, “mundo dos brancos”, em Guarani.

Se as revoltas de independência no Nordeste tivessem triunfado, os até então excluídos da História seriam reconhecidos como protagonistas. Caberia aos professores dar cor a essa resistência, revelando a diversidade e o sangue que corre nas veias de quem lutou por liberdade.
Tal qual em “Tudo vai ficar da cor que você quiser” (2014), Letícia nos apresenta uma obra viva, misturando as sensações exteriores com as interiores de um jeito o qual somente as tradições e a floresta poderiam raiar. Tudo conversa pela natureza, a gente, um peixe, um clarão do céu.
A sensação é de voltar a ser criança, é querer ser ensinado pela história que se pinta em tela. Os traços, as expressões e, principalmente, os detalhes, como o balançar do vento nos cabelos da personagem e nas águas, tornam o filme quase uma meditação.
Mas tamanho cuidado não suplanta a crítica quanto à nossa formação social. A viagem pelas quatro nações não é apenas marcada pela mudança dos sotaques, mas também pelo modo de expressão e pelos tons das ilustrações, mais claros ou acinzentados, ora ligados à natureza, ora consumidos pela cidade grande.
A trilha sonora de Pedro Madeira também é de se exaltar: faz um casamento perfeito com os desenhos dos personagens da equipe de animação, brilhantemente dirigida por Esaú Pereira e Telmo Carvalho. Pela escolha perfeita das técnicas, Esaú e Telmo reafirmam a qualidade e a sensibilidade de seus trabalhos.
“Glória & Liberdade” é uma aula. Uma animação penetrante que, além de aproximar o espectador dos porquês de sermos quem somos, instiga a pensar em quem podemos ser enquanto coletividade em resistência, pois quem luta sempre vem.