Arte e humanização

Texto de Noelle Siebra, psicóloga, apaixonada por cinema, música e cultura urbana
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Imagem do filme Ritual in Transfigured Time (1946) – Maya Deren / Foto: Divulgação

Eu achava que a arte não era para mim. Principalmente que eu não era uma pessoa capaz de criar arte. Percebo que nos últimos três anos da minha vida, eu me tornei mais eu, descobri tanto sobre mim, e alguns aspectos da minha vida que estavam adormecidos também vieram à tona. A arte foi um deles, e talvez o mais importante.

Fortalecer a minha identidade foi um processo que caminhou de mãos dadas com minha aproximação artística, e considero que toda essa mudança surgiu quando me dei conta do quanto a experiência com a arte é transformadora em minha vida. Desde ficar sozinha na minha sala fazendo nada além de ouvir música, do meu despertar por estudar cinema, as minhas experiências individuais e íntimas de coreografar e dançar sozinha (como tentativa de continuar dançando, pela saudade do tempo como bailarina), aprender a tocar baixo, começar a estudar produção musical e pintar (mesmo sem qualquer conhecimento técnico), tudo isso vem de uma vontade gigantesca de experenciar e criar arte. Que para mim é vontade de viver também.

Caiu a ficha do quanto me desenvolvo e me potencializo nesse processo, e me veio um outro questionamento: o distanciamento do ser humano da atividade artística é uma tentativa de empobrecimento. O capitalismo nos aliena da arte enquanto atividade humana. Se apropria da arte, a transforma em mercadoria, cria indústrias, e a torna exceção. Também, pela exploração da nossa força de trabalho, toma a maior parte do nosso tempo. A arte deveria ser a regra da vida humana.

Enxergo o mundo pelas lentes do comunismo, e com a arte não seria diferente. Na sociedade do capital, o fazer artístico está relacionado à demanda mercadológica, e isso repercute também em como a percebemos. Para muitos, aposto dizer até a maioria, faz arte aquele que sabe. Mas a arte é inerente à condição humana, seja ela um ofício ou não. Em primeiro lugar, o fazer artístico é sempre a individualidade manifestada, e no percurso histórico da humanidade, considerando as transformações a partir do capitalismo, esta capacidade de se perceber enquanto artista e de fazer arte vai se esvanecendo, pois a arte se torna uma disciplina a parte, uma especialidade.

A arte não é temática principal nos escritos de Marx. No entanto, o autor a define também como trabalho, que na perspectiva marxista, é ação intencional humana sobre a natureza, modificando-a. Também em algumas passagens em seus escritos, coloca a arte como atividade humana potencialmente humanizadora. Isso quer dizer primeiramente que, assim como a socialização, por exemplo, a arte faz parte de nossa existência, fazemos arte porque somos seres humanos. Acreditar que a arte é essencial para nossa humanização é compreender que ela faz parte do nosso processo de desenvolver nossas potencialidades plenamente e livremente, o que é digno a todo indivíduo.

O filósofo, poeta, jornalista e teórico marxista Ernest Fischer afirma que “a arte é uma forma de objetivação do ser humano que almeja exceder os limites da sua própria existência, e tornar social a sua individualidade”. Hoje, mais do que nunca, concordo com ele, e sei que sem a arte não teremos revolução, e que sem revolução não teremos arte.

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