Quando a imbecilidade foi de ad nauseam?

Texto de Gabriel Amora, repórter de política, pós-graduado em Escrita e Criação, e crítico de cinema
Compartilhar
O elenco de alguma temporada de A Ilha da Tentação / Foto: Amazon

Você não é obrigado a concordar comigo e abraçar tanto pessimismo, mas, a cada dia, percebo que os tempos se tornam mais desafiadores no que diz respeito à nossa essência. Isso, porque tudo o que vejo faz com o que eu pense que nos tornamos especialistas em cultuar a imbecilidade.

Explico: Há duas semanas, enquanto trocava uma ideia com uma amiga, confessei minha curiosidade mórbida por reality shows. Listei alguns dos que já vi, como MasterChef, Pesadelo na Cozinha, Brincando com Fogo, Big Brother Brasil, Casamento às Cegas e De Férias com o Ex. Eu não sou o maior especialista nesses tipos de programa, mas reconheço que são um modelo de espelho para a nossa sociedade.

Os participantes são competitivos, preconceituosos, mentirosos, ninfomaníacos, trapaceiros e a lista continua. É interessante analisar que o elenco sempre muda a cada ano, mas o espírito continua o mesmo. Isto em todos programas de confinamento. Em diferentes variações, todo ano temos uma Karol Conka para cancelar.

Exemplificando a loucura desse tipo de entretenimento, cito o último que vi (contra a minha vontade, dessa vez). Não assisti ao episódio inteiro, só um daqueles cortes de três minutos que aparecem no feed. E o nome do novo programa apocalíptico do momento é A Ilha da Tentação.

Na ocasião, o(a) parceiro(a) assiste a(o) cônjuge se jogando nos braços de outra pessoa. Achei que fosse algo combinado, mas os juízes da internet não deixaram eu ter dúvidas: “Não, querido, isso não é teatro”. Dei play na cena e quase caí para trás. Espanhóis enlouquecendo, xingando as suas mulheres, um deles quebrando a tela do computador que transmitia friamente o motivo de seu desespero e indo para a praia chorar as lágrimas dos cornos. E não foi só um beijinho que ele viu.

A reação dos seus amigos foi a de colocar a mão no ombro do “chifrudo”. Pensei muito sobre o corte ser fabricado estrategicamente para nos fazer odiar a mulher que traiu o marido. Pela minha (pouca) experiência com programas duvidosos de entretenimento, aquele homem provavelmente já tinha feito alguma bobagem antes (não que justifique). Não sei dizer ao certo. Talvez, por ser machista, a internet prefira mostrar o momento da traição e as consequências disso.

E quando digo “prefira” é porque, convenhamos, isso gera mais likes e comentários imbecis. Logo, seguidores e haters se devoram em debates vazios, sustentados por memes e frases prontas de quem quer viralizar. E a produção desse espetáculo, obviamente, ganha dinheiro com isso.

Pois bem, antigamente, um programa idiota era só um programa idiota. Muitos deles tinham prazo de validade de meia hora. Eram polêmicos, grosseiros e fúteis, mas não se fixavam na nossa memória. A gente ligava a TV e se afundava naquela maratona de tolice. A gente sabia que estava mergulhando na imbecilidade, mas, ao invés de admitir, tentávamos arranjar uma desculpa para a nossa própria burrice.

Hoje, no entanto, almejamos essa imbecilidade com paixão. Escolhemos o que queremos assistir. Lutamos até o fim para defender o reality da vez, aquele campeão de idiotice. Viramos noites consumindo esse tipo de entretenimento. E, talvez seja um sinal de que estou envelhecendo mal, mas fico assustado em ver como a Netflix e suas sucessoras florescem no meio de uma das maiores crises que o mundo já enfrentou: o avanço do fascismo, misturado com uma religiosidade ignorante e uma adoração pela guerra. E aí, o que fazemos? Consumimos imbecilidade, claro. Antes, assistíamos porque éramos forçados; agora, assistimos porque escolhemos.

Quantos passos para trás tivemos que dar para chegar até aqui?

Acompanhe o Veredas nas redes sociais e fique por dentro de tudo!

ASSUNTOS

Publicidade

Mais lidas

Publicidade